Ataque à democracia brasileira
9 de janeiro de 2023Grupos organizados de extremistas de direita promoveram neste domingo (08/01) um dia de terror em Brasília, invadindo e depredando o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e a sede do Supremo Tribunal Federal (STF) - marcando o momento mais violento da política brasileira pós-redemocratização e um ápice do movimento golpista que tenta reverter ilegalmente o resultado da última eleição presidencial.
O saldo de discursos golpistas e mentirosos reverberados por personagens da extrema direita – incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro –, o financiamento e tolerância a acampamentos bolsonaristas e a leniência de cúpulas das forças de segurança com atos antidemocráticos pôde ser observado neste domingo, após os invasores serem expulsos dos edifícios: salas destruídas, obras de arte saqueadas ou vandalizadas, móveis atirados contra janelas, policiais feridos, jornalistas agredidos e mais de 200 golpistas presos em flagrante.
Ação leniente da polícia
Vestidos com as cores verde amarela e pregando um golpe militar, os bolsonaristas invadiram primeiro o Congresso e depois se dirigiram para as sedes os outros poderes, nunca sendo barrados de maneira decisiva pelas forças de segurança do Distrito Federal, o que levantou acusações de conivência ou incompetência das autoridades locais.
Um veículo da Força Nacional chegou a cair dentro do espelho d'água em frente ao Congresso. No STF, os golpistas depredaram o plenário do tribunal e usaram uma mangueira de incêndio para inundar o local. No Planalto, tiraram selfies e transmitiram ao vivo a destruição de salas, além de roubarem armas e papéis e depredarem a galeria de retratos de ex-presidentes.
A depredação só terminou mais de duas horas depois, quando a tropa de choque e a cavalaria da PM finalmente agiram de maneira decisiva contra os bolsonaristas.
Nos últimos dias, o movimento golpista vinha recebendo reforço de novos extremistas, que chegaram a Brasília em dezenas de ônibus. Nas redes sociais bolsonaristas, circulava nesta semana uma convocação de uma "tomada de Poder pelo próprio povo" marcada para ocorrer no Congresso em 7 e 8 de janeiro.
A cidade já estava sob tensão desde atos violentos cometidos por bolsonaristas em dezembro, incluindo uma tentativa de atentado a bomba contra o aeroporto da cidade.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tomou posse há apenas uma semana, chamou os invasores de "fascistas fanáticos" e "nazistas". Ele responsabilizou seu antecessor Jair Bolsonaro pela violência e prometeu encontrar e punir os financiadores dos atos deste domingo.
"Este genocida não só provocou isso, como está estimulando ainda pelas redes sociais", disse Lula. "Nós vamos tentar descobrir quem financiou isso. E essa gente toda vai pagar. Se houve omissão de alguém no governo federal que facilitou isso, também será punido".
Lula não estava em Brasília durante a invasão. Ele havia viajado para Araraquara (SP) e transformou a sede da prefeitura local em um gabinete de crise. O presidente se dirigiu a Brasília durante a noite e inspecionou os danos no Planalto.
Condenações também partiram de ministros do STF. Alexandre de Moraes, que é visto como um inimigo pelos bolsonaristas, classificou os atos deste domingo como "terroristas" e afirmou que "os financiadores, instigadores, anteriores e atuais agentes públicos que continuam na ilícita conduta dos atos antidemocráticos" serão responsabilizados.
Intervenção no Distrito Federal - governador é afastado
O dia de terror bolsonarista também levou Lula a assinar um decreto de intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal, após as autoridades locais ligadas ao bolsonarismo serem acusadas de incompetência na gestão da crise e até cumplicidade com os golpistas.
No final do dia, foi a vez de o ministro Alexandre de Moraes determinar o afastamento por 90 dias do govenador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), um aliado de Bolsonaro.
Nos últimos dias, dezenas de ônibus com bolsonaristas se dirigiram a Brasília para reforçar o acampamento golpista instalado há meses em frente ao Quartel-General do Exército, sem que as autoridades do DF reforçassem a segurança na Esplanada dos Ministérios.
Ainda neste domingo, Lula mencionou que a PM do DF chegou a escoltar uma marcha de golpistas concentrados no QG do Exército até a Esplanada dos Ministérios.
Diante da explosão de violência, o agora afastado Ibaneis Rocha tentou se distanciar dos atos e demitiu seu secretário de Segurança, Anderson Torres, que ocupou justamente o cargo de ministro da Justiça sob Bolsonaro. Torres já havia sido acusado de complacência com golpistas durante os bloqueios a rodovias no ano passado e na tentativa de invasão da sede da Polícia Federal em Brasília no mês passado.
Ainda nesta tarde, a Advocacia-geral da União (AGU), ligada ao governo federal, pediu ao STF a prisão de Torres. No momento, o bolsonarista Torres está nos EUA.
O governador Ibaneis, numa clara tentativa de escapar de alguma responsabilização pela violência, também publicou antes do seu afastamento um vídeo pedindo "desculpas" a Lula e chamando os atos de "inaceitáveis". O político Valdemar Costa Neto, presidente do PL, a sigla de Bolsonaro, foi outro que também tentou se distanciar da violência em Brasília. "Não apoiamos esses movimentos", disse Valdemar, que após a derrota de Bolsonaro chegou a tentar contestar judicialmente o resultado com um pedido sem embasamento.
Com a intervenção federal, a segurança do DF passará a ser comandada por Ricardo Garcia Cappelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça, que por sua vez é comandado por Flávio Dino. "Ninguém ficará impune. O Estado Democrático de Direito não será emparedado por criminosos", disse Cappelli.
Já o ministro da Defesa, José Múcio, que vinha sendo criticado por adotar uma posição tolerante em relação aos acampamentos bolsonaristas instalados em frente a quartéis país afora, passou a afirmar neste domingo que não é mais possível "aturar" essas concentrações.
"Não tem como continuar assim, vamos tomar providência, não tem mais como aturar isso", declarou José Múcio, que vinha sendo alvo de críticas na última semana por não adotar uma posição mais enérgica contra os acampamentos.
O papel de Bolsonaro
O ex-presidente Jair Bolsonaro, que abandonou o governo dois dias antes da posse de Lula após fracassar em suas tentativas de reverter o resultado das urnas, permaneceu em silêncio ao longo do dia, evitando condenar a violência a partir do seu autoexílio na Flórida, enquanto os invasores ocupavam os prédios.
Bolsonaro só se pronunciou horas após os golpistas serem expulsos. O ex-presidente publicou em suas redes uma condenação protocolar e ainda tentou traçar uma falsa equivalência com a esquerda brasileira.
"Manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia. Contudo, depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra", disse Bolsonaro. O ex-mandatário também afirmou "repudiar" as acusações de Lula feitas neste domingo.
Bolsonaro, que após a derrota evitou parabenizar Lula e até mesmo a passar a faixa presidencial, também disse que "sempre" respeitou e defendeu "as leis e a democracia", ignorando sua própria participação em manifestações antidemocráticas contra o Congresso, o STF e autoridades eleitorais nos últimos anos.
Reações internacionais
Ao longo de domingo, enquanto os golpistas destruíam as sedes dos Três Poderes, Lula recebeu declarações de solidariedade e apoio de governos estrangeiros, incluindo os Estados Unidos e França, vizinhos como Colômbia e Argentina, assim como de autoridades da União Europeia, que também condenaram a violência bolsonarista.
Em comunicado, o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, afirmou que o bloco "reitera seu total apoio ao presidente Lula e ao sistema democrático brasileiro e expressa solidariedade às instituições democráticas visadas por este ataque". Uma declaração similar foi feita pelo presidente da França, Emmanuel Macron.
Políticos dos EUA traçaram rapidamente paralelos com a invasão do Capitólio por uma turba de extremistas de direita em 6 de janeiro de 2021. Assim como ocorreu em Brasília, os golpistas americanos que depredaram a sede do Congresso do seu país também foram estimulados por um líder radical derrotado para tentar reverter ilegalmente o resultado de uma eleição presidencial.
Após a invasão em Brasília, o presidente dos EUA, Joe Biden, condenou o "ataque à democracia e à transferência de poder pacífica no Brasil", e disse que as "instituições democráticas do Brasil têm nosso total apoio".
Deputados americanos pedem extradição de Bolsonaro
Após as cenas de terror em Brasília, dois parlamentares americanos criticaram a permanência de Jair Bolsonaro nos EUA. O deputado democrata Joaquin Castro pediu a extradição do ex-presidente, que atualmente está Flórida.
"Ele é um homem perigoso. Deveriam mandá-lo de volta para seu país natal, o Brasil", disse o deputado. "Apoio o presidente Lula e o governo democraticamente eleito no país", completou o democrata, que também relacionou a invasão em Brasília com o ataque ao Capitólio americano em 2021. "Terroristas domésticos e fascistas não podem usar a cartilha de Trump para minar a democracia".
A deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York, também relacionou os eventos em Brasília com o Capitólio disse "vemos fascistas tentando fazer o mesmo no Brasil".
Na mesma mensagem, ela manifestou solidariedade a Lula e o fim do "refúgio" de Bolsonaro nos EUA.