"Autobahnkirche": drive-in para falar com Deus
22 de abril de 2019"Amado Deus, por favor, dá a meu pai força para morrer e protege o meu filho no Afeganistão."
"Que todos os que sofrem de câncer tenham Deus a seu lado."
"Obrigado por este homem ao meu lado."
São preces dirigidas aos céus: gratidão e depressão, enfermidades, catástrofe, carreira. Nos livros de votos encontrados em todas as igrejas de autoestrada da Alemanha (autobahnkirchen), está espelhada a alma do país. Seus frequentadores buscam uma pausa do estresse rodoviário, se afastam por alguns minutos das artérias de trânsito, em pulsação incessante, que atravessam o país. Eles são integrantes de uma congregação crescente: os frequentadores anônimos das igrejas de autoestrada.
"A igreja, para mim, é como uma tenda, um espaço protegido onde, em princípio, nada pode me acontecer", diz Katharina Schulz [nome alterado], após visitar a Autobahnkirche Siegerland, no estado da Renânia do Norte-Vestfália. "Eu venho aqui quando tenho preocupações."
O sexagenário Gerhard Sauer, da cidade vizinha de Neunkirchen, aprecia o culto noturno semanal: "Já vim várias vezes aqui sozinho, para refletir. Mas os cultos breves tocam fundo, são sempre cheios de emoção."
Inaugurada em 2013 na autoestrada A-45, a igreja de Siegerland oferece um oásis de tranquilidade em meio ao ruído de fundo permanente dos pneus em movimento. Por lá passam cerca de 2 mil frequentadores a cada mês, e já encheram 11 livros de votos com seus desejos, orações e prestações de graças.
As anotações revelam uma Alemanha sem ódio. "As pessoas registram ali suas apreensões e gratidão, não tanto a sua cólera", afirma Ute Pohl, presidente da Associação de Amigos da igreja Siegerland. Muitos partilham dos pensamentos e preces expressas nas notas, à vezes até mesmo acrescentando seu próprio ponto de vista.
Também Alessia tem esperanças de que suas súplicas sejam escutadas, sobretudo pelo namorado que a abandonou. Ela vem regularmente à Autobahnkapelle Sankt Raphael, na parada rodoviária de Nievenheim, nas proximidades de Colônia, para expor seu mal de amor.
Sob os olhos do arcanjo Rafael, a jovem derrama o coração no livro de votos aberto num pedestal no canto direito da autobahnkapelle: "Querido Deus, na verdade eu gostaria de chegar com pensamentos positivos, quando venho aqui. Por favor, devolva ao Stefan a fé no nosso relacionamento."
Também na Autobahnkirche Siegerland ocorre esse tipo de diálogo entre casais. Ute Pohl conhece o fenômeno. "As pessoas que fazem esse tipo de anotação estão esperando uma resposta", explica, acrescentando, com um risinho: "Se isso acontecer aqui na igreja, esperemos que o Espírito Santo conceda sua influência positiva."
A congregação de frequentadores das igrejas e capelas de autoestrada aumenta: todos os anos cerca de 1 milhão de fiéis aproveitam essa pausa no asfalto. A primeira casa de culto do gênero da Alemanha foi inaugurada já em 1958, na A-8, em Adelsried, no estado da Baviera. Hoje elas já são 47 no país, e nesse ínterim também foram abertas outras na Áustria e na Suíça.
O crescimento parte da base, pois não há uma central de planejamento das autobahnkirchen. Como no caso da de Siegerland, quem constrói as capelas por conta própria costumam ser particulares, associações ou paróquias locais.
Ao contrário dos templos tradicionais, os frequentadores em geral não permanecem mais do que cinco ou dez minutos, como constatou um estudo do centro de pesquisa social eclesiástica da Faculdade Católica de Freiburg. A maioria está registrada como membro da Igreja, tem mais de 50 anos de idade, é do sexo masculino, casado e vive na Alemanha.
O anonimato da autoestrada é um atrativo. Segundo o estudo, quem para uma vez numa das igrejas tende a retornar na próxima viagem. A maioria em geral não se incomoda de só raramente haver um sacerdote presente. Pelo contrário: dois terços param sem premeditação, acendem uma vela e fazem uma breve oração.
O caminhoneiro Herbert [nome alterado] é um desses habitués: pelo menos duas vezes por semana ele desce na luterana Autobahnkirche Medenbach, para "simplesmente relaxar e deixar as coisas se assentarem". Musculoso, de short azul-escuro, ele vai com passo firme até a porta de vidro de entrada, empurra-a com cuidado, passa pelo altar e acende uma vela votiva.
Então senta-se numa das cadeiras de madeira clara, abaixa a cabeça e desfruta o momento de silêncio. Seu olhar se fixa nas numerosas velas. "Uma namorada minha foi quem me ensinou que se acende uma vela na igreja pelos amigos e os outros seres humanos." Após uma curta pausa, ressalva: "A namorada, eu esqueci, mas o ritual continua lá."
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