Baviera gera polêmica com cruz cristã em prédios públicos
30 de abril de 2018Valorização de um símbolo de identidade, violação do princípio de separação entre religião e Estado ou mera estratégia eleitoral?
O governo da Baviera, no sul da Alemanha, tornou obrigatória a instalação da cruz, símbolo do cristianismo, na entrada de todos os prédios públicos do Estado, como "expressão da formação histórica e cultural da Baviera".
A decisão foi anunciada na semana passada pelo governador conservador Markus Söder, da União Social Cristã (CSU), que assumiu o cargo em março, e foi tomada numa reunião do gabinete bávaro. Segundo Söder, não se trata de proselitismo religioso, mas de "reconhecer a identidade" e "os valores cristãos" dos bávaros.
O Estado é tradicionalmente um dos mais católicos da Alemanha – mais de 50% da população é filiada à igreja – e cruzes são comuns em tribunais e escolas.
Ainda de acordo com Söder, "a cruz não é um símbolo de religião" e a decisão não fere o princípio da neutralidade do Estado. "Queremos dar um sinal claro de que as pessoas têm o desejo de enfatizar sua identidade", disse ele na quarta-feira passada (25/04).
Logo após anunciar a decisão, o chefe de governo afixou pessoalmente um crucifixo na parede de uma sala da sede da chancelaria local. A nova determinação deve passar a valer a partir de 1° de junho e exclui representações do governo federal na Baviera.
Críticas
As críticas à decisão de Söder não tardaram a aparecer. Políticos de esquerda afirmaram que a medida é divisiva e populista. "Por que a CSU não consegue pensar em algo para unir as pessoas em vez de tentar dividir a todos?", disse Jan Korte, líder do partido A Esquerda no Bundestag (Parlamento).
Já a chefe da bancada do Partido Verde, Katrin Göring-Eckardt, afirmou que se trata de manipulação de um símbolo religioso e que ela, como cristã, sente-se ofendida. Göring-Eckardt é ligada à Igreja Evangélica da Alemanha (EKD).
Mas as críticas não partiram só da esquerda. O presidente do Partido Liberal Democrático, Christian Linder, comparou a decisão de Söder a medidas do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan. "O jeito que Söder e a CSU exploram símbolos religiosos para fins partidários me faz pensar em Erdogan. A Constituição não tem religião!"
Juristas apontaram que a decisão fere o princípio da neutralidade do Estado e é, por isso, inconstitucional.
Mas a crítica mais incisiva veio justamente da Igreja Católica da Alemanha. O cardeal Reinhard Marx, que chefia a influente Conferência dos Bispos Alemães e a arquidiocese de Munique, na Baviera, disse nesta segunda-feira ao jornal Süddeutsche Zeitung que o governo bávaro estava "expropriando a cruz em nome do Estado". "Você não compreende a cruz se a enxerga como um símbolo cultural."
Representantes islâmicos, por outro lado, preferiram evitar polemizar. O presidente do Conselho Central dos Muçulmanos da Alemanha, Aiman Mazyek, disse que os muçulmanos "não têm problemas com os crucifixos", mas advertiu que "a neutralidade do Estado deve ser respeitada".
Campanha eleitoral
Segundo a imprensa alemã, o gesto de Söder foi uma forma de agradar o amplo eleitorado conservador do Estado em meio ao temor do crescimento dos movimentos populistas de direita, que vêm aumentando sua presença na cena política alemã. Em outubro, a Baviera vai passar por eleições regionais e escolher um novo parlamento.
A CSU, que tem maioria absoluta no Parlamento local, teme um avanço do partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) e tem apostado em temas polêmicos, como segurança pública, distanciamento do islã e identidade cultural.
O Estado também foi palco de ações de terroristas islâmicos. Numa delas, em 2016, um afegão atacou com um machado passageiros de um trem em Würzburg.
Mas mesmo os populistas de direita da AfD não parecem ter se impressionado com a decisão do governo bávaro. "A cruz cristã está sendo transformada em acessório eleitoral, enquanto os conservadores se recusam a proteger nossos valores básicos com ações reais", disse a co-presidente da AfD Alice Weidel.
Controvérsias em relação a crucifixos não são novidade na Baviera. No início dos anos 1990, um casal sino-alemão, cuja filha de 10 anos frequentava uma escola em Bruckmühl, entrou na Justiça para pedir a remoção de uma cruz que ficava na sala de aula.
Em 1995, a corte suprema do país entendeu que a presença do símbolo feria o princípio da neutralidade do Estado, mas o governo bávaro contornou a decisão com a aprovação de legislação local para garantir a permanência dos crucifixos.
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