Bem-vindo à turma da Merkel, senhor presidente!
3 de julho de 2019A viagem de Jair Bolsonaro à cúpula do G20 em Osaka foi repleta de momentos bizarros. Dos 39 quilos de cocaína viajando num avião que acompanhava a comitiva presidencial à pergunta se a reunião entre Bolsonaro e seu homólogo francês, Emmanuel Macron, foi uma "conversa informal" ou um "encontro reservado".
E depois houve a estranha transmissão ao vivo via Facebook, na qual Bolsonaro de Osaka falou sobre o nióbio, seu metal predileto. Em vez de, por exemplo, jantar com os outros líderes do G20.
Mas o mais estranho foi a chegada. Já ao desembarcar em Osaka, Bolsonaro rebateu a chanceler federal alemã, Angela Merkel, que no dia anterior havia defendido o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul no Bundestag (Parlamento) alemão.
Mesmo que ela só tenha afirmado estar atualmente "preocupada" com a situação ambiental e de direitos humanos no Brasil, Bolsonaro reagiu como uma criança ofendida e pôs para fora seu lado nacionalista provocador, dizendo que não iria aceitar ser advertido por outros países e que a Alemanha tem a aprender com o Brasil.
E seu assessor de segurança, o general Augusto Heleno, enviou imediatamente a Macron e Merkel, que estavam irritados com as questões ambientais, um "vão procurar a sua turma". Tato diplomático é bem diferente disso. Se Bolsonaro e Heleno sabiam que apenas algumas horas mais tarde seria concluído o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul? As reações agressivas dos dois levantam dúvidas.
Até agora, no entanto, Bolsonaro não deixou dúvidas de que, em termos de política externa, preferiria seguir os EUA do que a UE. Assim, ele reuniu-se no G20 primeiramente com Donald Trump, seu modelo declarado. Mas além de elogios, o presidente dos EUA não tinha muito a oferecer a ele. Os isolacionistas não são bons parceiros no cenário internacional, não importa quanto se gostaria de segui-los cegamente.
Em vez disso, foram Macron e Merkel, líderes olhados com desconfiança pelo governo de Bolsonaro, que lhe presentearam com o tão necessário acordo comercial. Diante de 13 milhões de desempregados e de uma economia que ameaça voltar à recessão, Bolsonaro precisa urgentemente de um sinal positivo. Sua presidência depende de a economia avançar novamente.
Ainda não se sabe quando os parceiros comerciais irão ratificar o acordo e transformá-lo, assim, em realidade. Mas o pacto tem todo o potencial que os liberais em torno do ministro Paulo Guedes desejam. No entanto, o preço que deve ser pago será, futuramente, uma regulação ainda mais intensa de questões ecológicas pelos europeus. O Brasil seguirá os padrões ambientais ditados por Bruxelas? E se assim for, será somente "pra União Europeia ver"?
Vale lembrar que a preocupação de muitos europeus não se aplica apenas à política ambiental brasileira. Como Merkel disse na semana passada no Bundestag, as pessoas também estão preocupadas com a situação dos direitos humanos sob Bolsonaro.
Nesse contexto, estão em discussão questões relativas ao tratamento dispensado aos povos indígenas, à população LGBT e a outras minorias, bem como à liberação de um número cada vez maior de novos agrotóxicos para a agricultura brasileira.
O próprio presidente mostrou que, sob seu governo, preocupações sobre o Estado de Direito são justificadas. Ele lamentou que seu subordinado tivesse sido capturado com 39 quilos de cocaína na Espanha, e não na Indonésia. Porque ali, ele seria condenado certamente à pena de morte. Que os traficantes de drogas merecem morrer é um posicionamento conhecido de Bolsonaro. Mas mesmo que linhas-duras como ele não gostem – no Brasil, a pena de morte não é permitida.
No entanto, ela é uma realidade em muitas áreas fora do alcance da lei – começando pelas favelas do país, onde a polícia age com força extrema contra quadrilhas de drogas. Até que ponto a pressão da sociedade civil europeia garantirá mais Estado de Direito por aqui?
Mas surpresas são sempre possíveis. Basta lembrar as observações depreciativas de Paulo Guedes, feitas no final de outubro do ano passado, de que o Mercosul não seria uma prioridade para o novo governo. O Mercosul é "muito restritivo, o Brasil ficou prisioneiro de alianças ideológicas, e isso é ruim para uma economia", disse o ministro na ocasião.
Agora foi justamente com seus vizinhos não amados e com os europeus irritantes que Bolsonaro e Guedes asseguraram o primeiro sucesso internacional importante do novo governo. E não – como esperado – com os EUA de Trump.
Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.