Berlim e Rio de Janeiro: espaço público em debate
21 de maio de 2005Desde janeiro último, especialistas alemães e brasileiros voltam seus olhos para uma comparação que pode parecer, em primeira linha, inusitada: o espaço público em Berlim e no Rio de Janeiro.
Em entrevista à DW-WORLD, Sabine Knierbein, uma das pesquisadoras do projeto (que faz parte de uma cooperação entre a UFRJ e a Universidade Bauhaus de Weimar, com apoio da Capes e do DAAD – Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico) fala sobre as práticas de revitalização dos antigos centros das grandes cidades latino-americanas e européias e sobre as mudanças no discurso sobre o "espaço público".
DW-WORLD: O projeto "As Transformações na Agenda de Políticas de Espaços Públicos. Intenções – Intervenções – Efeitos" trata, entre outros, de medidas a serem tomadas em resposta à "periferização" e privatização de funções urbanas tradicionais. Neste contexto, que tipo de comparação é feita entre Rio de Janeiro e Berlim?
Sabine Knierbein: Não apenas na Europa (em Berlim, Barcelona, Manchester, Lyon, por exemplo), regiões centrais das cidades vêm sendo cada vez mais revitalizadas através de intervenções urbanas de caráter programático. Também no Rio de Janeiro pôde-se perceber esta tendência, principalmente nas últimas duas décadas. Este novo foco vem sendo utilizado por várias comunidades como forma de enfrentar, com centros mais atraentes, os efeitos da suburbanização (centros vazios) e da privatização (aglomeração de grandes supermercados e shopping centers em espaços verdes antes livres).
Uma comparação direta do espaço nas duas cidades (Berlim e Rio de Janeiro) só deve se feita com muito cuidado. Nosso programa de cooperação, que reúne pesquisadores com diversas bagagens profissionais e culturais, não deve ser visto como um estudo comparado. Através de análises de casos nas duas cidades, queremos investigar as novas qualidades da política de planejamento urbano, bem como sua diversidade instrumental e estética, sua amplitude e efeitos. Além disso, queremos observar o discurso global, para podermos analisar, mais uma vez, o significado mais amplo dos termos espaço público.
O projeto prevê uma divesificação dos instrumentos utilizados em intervenções nos espaços públicos. No caso específico do Rio de Janeiro, quais novos instrumentos deverão entrar em ação neste contexto?
No caso do Rio de Janeiro, trata-se de programas de planejamento urbano como Rio Cidade, Favela Bairro, Célula Urbana, Rio Orla, Rio Mar e outros. Ao mesmo tempo, pesquisamos também outro tipo de medidas, como por exemplo o "Adote uma área verde. Adote esta idéia! A cidade agradece". Esta última medida força uma ação conjunta entre a adminstração da cidade e patrocinadores particulares, investidores e outros interessados em manter espaços públicos livres.
A violência no espaço urbano e o medo de adentrá-lo são correntes nas grandes cidades brasileiras. Praças públicas não são, há muito, lugares de comunicação e encontro entre diversas classes do país. Quais medidas, em sua opinião, deveriam ser tomadas para fazer com que o espaço público se torne de novo "público"?
A questão gira aqui em torno de vários problemas: a exclusão social, a falta de segurança, a territorialização de determinados espaços públicos por determinados grupos. Na busca do "princípio público" dos espaços – seja na Argentina, no Brasil ou na Alemanha – é importante lidar com as diversas formas, realidades e mentalidades dos que aí vivem.
A questão acerca das medidas urbanísticas, que poderiam transformar o espaço público novamente em "público", é um dos temas centrais do nosso grupo de pesquisa. Não seria adequado citar receitas prontas, mesmo porque pretendemos buscar respostas para isso através da análise de dados concretos e empíricos.
É necessário esclarecer se a definição comum de "espaço público" como local "público democrático" ainda é viável. Além disso, pretendemos verificar se não deveria haver uma reformulação dos currículos nos cursos de Arquitetura e Urbanismo, que proporcionasse uma leitura mais fiel tanto das velhas quanto das novas conotações do que entendemos sob "espaço urbano".
As classes alta e média brasileiras gastam grande parte do tempo livro em ambientes fechados, principalmente em templos de consumo como os shopping centers. Poderia comparar esta realidade à de grandes cidades européias?
Uma comparação direta não faria sentido, mesmo sabendo que há tendências semelhantes em cidades européias. Pois agora entra em jogo a dimensão jurídica do espaço público. Estes espaços são juridicamente abertos a qualquer um? Se são juridicamente acessíveis a qualquer pessoa, por que não são de fato acessíveis, quando estão dentro de um condomínio ou mesmo de uma favela? A territorialização dos espaços públicos segue que tipo de regras?
Para fazer jus à estratificação do nosso objeto de estudo "espaço público", temos um grupo de pesquisa interdisciplinar, que inclui áreas como Sociologia da Globalização, a cadeira de Planejamento Urbano e Pesquisa da Universidade Bauhaus de Weimar e o Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da UFRJ, no Rio de Janeiro. O princípio transdisciplinar nos permite aqui analisar o mesmo objeto sob várias perspectivas, para fazer jus à complexidade do assunto.
Na sua opinião, a forma como a Europa trata a história em termos arquitetônicos e urbanísticos difere muito do que se faz em países latino-americanos? Há uma outra forma de consciência perante a memória arquitetônica?
Tanto em Córdoba, onde trabalhei numa pesquisa anterior, como no Rio de Janeiro, não tive a impressão de que as cidades latino-americanas tivessem uma consciência menos aguda em relação à própria história. No Rio, por exemplo, pude observar a restauração do Parque Flamengo, dentro do programa Rio Mar, um projeto no qual se reconhece o valor cultural histórico do parque criado por Burle Marx.
Em Córdoba, tanto especialistas quanto as pessoas em geral valorizam o significado das heranças colonial e pós-colonial. O futuro tanto das cidades latino-americanas quanto das européias é definido através da relação com a própria história, mas não só por isso. A análise da situação atual das cidades não é obrigatoriamente necessária, para uma compreensão de novas linhas de desenvolvimento?
Planejamento urbano, gerenciamento de detritos, meios de transporte e política sanitária são alguns dos aspectos que dependem menos do saber do que das reais condições econômicas dos países em questão. Freqüentemente as "belas" receitas das nações ricas acabam distantes da realidade dos países pobres. O que se pode esperar, neste sentido, de uma cooperação binacional entre o Brasil e a Alemanha, no que diz respeito ao espaço público?
Um dos focos do nosso projeto de pesquisa é a capacitação técnica dos espaços públicos, através de programas que visam a melhoria da infra-estrutura de espaços habitados por grupos sociais periféricos, como o Favela Bairro, por exemplo.
Pesquisa-se, diga-se de passagem, a importância das melhorias feitas exclusivamente na infra-estrutura para a realização de melhorias de caráter social. Neste contexto nos interessa especialmente as relações entre a política e o planejamento urbano e o porquê das mudanças ocorridas neste âmbito desde o início dos anos 90 em vários países, especialmente no Brasil e na Alemanha.
Os resultados da nossa pesquisa binacional devem ser, em primeira linha, dados empíricos sobre a situação nas duas cidades. Além disso, queremos fazer com que pesquisadores e urbanistas desenvolvam um olhar diferenciado em relação ao "espaço público". Um olhar que lhes permita lidar com todas as dimensões – morfológicas, sociais, culturais, ecológicas, jurídicas, políticas, históricas, etc – do espaço analisado. Para que possam agir de forma sustentável.