Berço político ajuda a explicar Fillon
24 de março de 2017Sablé-sur-Sarthe é o vilarejo natal de François Fillon – ali ele foi prefeito de 1983 a 2001 e organizou sua meteórica ascensão política. Em seus limites há algumas empresas maiores, sobretudo produtoras de gêneros alimentícios. Atrás, se vê a amplidão da planície acima do rio Loire.
Michel Dauton produz maçãs para fabricação de cidra e cria vacas da raça limousin. Sua fazenda fica bem diante das portas da localidade. "A agropecuária aqui é diversificada", diz o agricultor que já foi porta-voz da associação local. A produção local é em escala pequena, não subindustrial. Velhas aldeias ladeiam as estradas, esta é a campagne profonde, a zona rural que há tanto tem enorme peso para a política francesa.
"Fillon sempre cumprimentava a todos e se interessava por seus problemas", afirma Dauton. Isso é importante para os agricultores, que sofrem pressão cada vez maior dos intermediários para baixar seus preços. "Precisamos de uma Europa que nos dê mais respaldo", reivindica.
E nesse ponto Fillon é o candidato com as raízes rurais mais fortes. "Nós precisamos é de um homem de estatura, capaz de impor as reformas certas." Além disso, o conservador tem longa experiência na política, e os tempos não estão para novatos, observa o produtor.
E os escândalos? "Estamos a um mês de uma eleição presidencial decisiva, num mundo perigoso", rebate Dauton. E isso tem mais importância do que o preço dos ternos ou a cor das gravatas do candidato. Ele lamenta que agora a Justiça, em sua visão, esteja perseguindo a família Fillon: "Tenho pena dos dois, especialmente da mulher dele." Talvez a vida política da França precise de mais moral, mas aí se vai ter que mudar as regras.
Duas formas de catolicismo
Em Sablé-sur-Sarthe vai-se à missa aos domingos. O padre Bruno Mézière celebra diante de uma igreja cheia, nos bancos estão também jovens famílias, muitas crianças e fiéis reconhecíveis como imigrantes.
"Nossa paróquia é associada a Aleppo", conta o sacerdote. Lá se coletam doações para a cidade arrasada, refugiados da Síria, Iraque e outros países estão bem integrados: Notre-Dame de Sablé é uma congregação cosmopolita.
Em seus tempos de prefeito, François Fillon também costumava frequentar o culto. Porém o apoio político para o novo movimento católico francês não vem da comunidade, e sim de Paris.
"Há na França cristãos que defendem sua fé de forma bastante ofensiva. Isso derivou dos manifestos contra o casamento homossexual. É um grupo de católicos que achava que estavam sendo marginalizados no país", explica o padre Bruno. O grupo de intitula Sens Commun (Bom Senso) e foi responsável pela vitória de Fillon nas eleições primárias.
"Senhor feudal"
Gerard Frétellière, há anos membro do conselho comunitário e da oposição esquerdista local, é rigoroso: "Quando François Fillon era prefeito aqui, ele reinava como um senhor feudal." Como político local, o candidato presidencial conservador era mais um homem do centro, mais tarde como ministro, porém, antes de direita linha dura. "Ele sempre teve duas caras", diz seu velho opositor de Sablé.
"Quando ele se candidatou, muitos se alegraram, achando que agora iam ter um presidente daqui. Mas as coisas não são assim cor-de-rosa, ele não poderia fazer muito pela região." Além disso, segundo Frétellière, o programa do candidato conservador é "para os ricos".
Ainda assim, muitos moradores da localidade ficaram bastante surpresos com os escândalos, pois Fillon sempre se apresentou como a integridade em pessoa. "E aí a gente cava, cava, e sai esse tipo de coisa." O conselheiro comunitário não tem nada a dizer contra Penelope Fillon, que sempre viveu muito reservada. Só que "ninguém na cidade jamais pensou que ela trabalhasse para o marido".
Corrupção – como sempre
Alguns quilômetros dali, na pitoresca margem do rio Sarthe, está o castelo Beaucé, comprado por Fillon no início dos anos 90, cujas nobres muralhas datam do século 15. E manter tantos telhados e janelas custa dinheiro, comenta com malícia o agricultor Hubert Olive. Nesta tarde de domingo, ele e a esposa chegaram até o portão da propriedade e a admiram através dos arbustos. "Nós queríamos ver onde ele vive."
Olive, que mantém uma fazenda de gado bovino, dispara a falar dos problemas dos pequenos pecuaristas. "Enquanto eu tenho que vender cada quilo de carne a 3,50 euros, ele é oferecido nas lojas a 35 euros. Os intermediários nos forçam a vender abaixo do preço de custo."
O agricultor também deposita suas esperanças em Fillon, que, em sua opinião, é único com a experiência de governança necessária e uma ligação com o campo. Quanto às acusações de desvio de recursos públicos: "Ah, que nada, você pode pegar a quadrilha toda, botar num saco e...", diz Hubert Olive, rindo e apontando em direção ao rio. Em outras palavras: a coisa nunca foi diferente – e nunca será.