Bibliothek: 120 anos de Gershom Scholem
5 de dezembro de 2017O escritor, historiador e místico Gershom Scholem, que tinha como nome de batismo Gerhard, nasceu em Berlim no dia 5 de dezembro de 1897, como filho de um casal de judeus. Seu pai, uma figura imponente e autoritária, dirigia uma gráfica na capital alemã e esperava que o filho seguisse carreira no ramo comercial.
A grande influência inicial na vida do jovem viria, no entanto, do irmão Werner, mais tarde um dos dirigentes do Partido Comunista Alemão e assassinado pelos nazistas em Buchenwald, em 1942. Dois anos mais velho, o jovem comunista incentivaria Scholem a cultivar seu talento literário e intelectual.
O estudo da língua hebraica, essencial para seus futuros estudos sobre o misticismo judaico, começou já no colégio, quando Scholem foi confrontado com a obra clássica do historiador judaico-alemão Heinrich Graetz (1817-1891), Geschichte der Juden von den ältesten Zeiten bis auf die Gegenwart (História dos judeus dos tempos antigos à contemporaneidade), publicada em 11 volumes entre 1853 e 1875. Sua decisão de voltar-se para a religiosidade judaica e o sionismo levariam a conflitos familiares.
Em pouco tempo, Scholem passaria tanto pelo chamado Movimento da Juventude Judaica (jüdische Jugendbewegung) como pelo movimento da Juventude Operária Socialista (sozialistische Arbeiterjugend). O misticismo judaico e o materialismo dialético formariam os polos do seu pensamento.
O grande encontro de sua vida aconteceu, no entanto, em 1915, quando o jovem Scholem tinha 18 anos e conheceu o também judeu berlinense Walter Benjamin. Nascido em 1892, Benjamin tinha 23 anos na época. É comovente pensar nesses dois pilares do pensamento judaico alemão com apenas 18 e 23 anos, caminhando pelas ruas de Berlim e dialogando sobre misticismo e marxismo.
Mais tarde, Scholem publicaria seu livro de memórias Walter Benjamin – Die Geschichte einer Freundschaft (Walter Benjamin – A História de uma Amizade), em que relata essas primeiras conversas, aquelas que veriam o início da Primeira Guerra, da República de Weimar, da ascensão do Nazismo, até as últimas, em correspondência. A amizade permaneceria até a morte trágica de seu amigo em Port Bou, em fuga dos nazistas. No livro, Scholem relata, por exemplo, as conversas que teve com Benjamin sobre angelologia quando este comprou o famoso desenho de Paul Klee Angelus Novus (1920), que mais tarde se tornaria central em seu texto mais famoso, Über den Begriff der Geschichte (Sobre o conceito de História).
Após estudar Matemática e Filologia em Jena, Scholem emigrou para a Suíça, onde seguiu seus estudos das línguas orientais. Considerando fracassada a possibilidade de assimilação dos judeus na Alemanha, ele emigrou para a Palestina ainda na década de 20, onde passou a ensinar Misticismo Judaico na Universidade Hebraica em Jerusalém. De lá, assistiu ao colapso dos sonhos políticos de integração da população judaica na Alemanha após os pequenos avanços na República de Weimar, aos horrores da Segunda Guerra, e recebeu as notícias das mortes de irmãos e amigos.
O extermínio da população judaica no continente teria um efeito determinante sobre a recepção da obra de Scholem sobre o misticismo de um povo desaparecido. Muito citado, mas talvez pouco lido, sua obra tem outro alcance hoje quando comparada à do amigo Walter Benjamin, que escreveu sobre literatura, arte, urbanismo, e de quem Scholem ajudou a editar obras postumamente, com Theodor W. Adorno.
Na Alemanha, a obra de Scholem acabou associada à Shoah. Aqueles que teriam lido esta obra como parte da própria história pessoal e política morreram em sua gigantesca parte ao longo dessa história. A correspondência de Scholem com amigos sobreviventes é muito importante e talvez mais lida que seus livros especializados sobre a cabala, como a que manteve com Hannah Arendt até 1964, ano em que ela publicou o livro Eichmann em Jerusalém, que levaria ao rompimento da amizade. Gershom Scholem morreu em Jerusalém em 1982.
Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.
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