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Bibliothek: Mulheres e o início da literatura na Alemanha

Ricardo Domeneck
8 de agosto de 2017

A Alemanha nasceu como "Vaterland", a terra paterna que, como em outras línguas, havia de ter uma "Muttersprache". A terra é dos pais, a língua é das mães. E quem foram essas mães da língua?

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Annette von Droste-Hülshoff (1797 - 1848) é ainda considerada a primeira grande poeta de língua alemã
Annette von Droste-Hülshoff (1797 - 1848) é ainda considerada a primeira grande poeta de língua alemãFoto: picture-alliance/akg-images

Se nós brasileiros chamamos nosso país de "mãe gentil", por mais irreal que isso seja, para os germânicos que unificaram os vários principados que hoje formam a Alemanha sob certo controle da Prússia, o país que nascia era a Vaterland, a terra paterna. O interessante é que, como em outras línguas, esta Vaterland  havia de ter uma Muttersprache. Uma terra paterna com uma língua materna. A terra é dos pais, a língua é das mães. E quem foram essas mães da língua, quem foram as figuras femininas que deixaram marcas na literatura do país? Quando o país foi unificado, já era permitida a educação para meninas das classes mais privilegiadas, ainda que isso se desse apenas até a menarca, ou seja, sua primeira menstruação, quando então passavam a ter tutores em casa. O direito ao voto para mulheres viria apenas com a República de Weimar, em 1918.

Brasilien Dichter Ricardo Domeneck
Foto: Amos Fricke

A contribuição de mulheres à literatura de língua alemã começa no período medieval. Para um país hoje tão amplamente laico, é importante notar que grande parte do misticismo cristão medieval saiu de penas germânicas. A mulher mais importante neste campo foi sem dúvida Hildegard von Bingen (1098 - 1179), uma mulher de incríveis e variados talentos, autora de poemas, textos místicos, tratados de botânica e medicina, além de criar uma língua, conhecida como Lingua Ignota, que usou em muitos de seus textos. Séculos mais tarde, durante a Reforma Protestante, Argula von Grumbach (1492 - 1554) faria também contribuições aos debates religiosos que tomavam de assalto a região.

Para quem vai a uma livraria na Alemanha hoje, os mais antigos trabalhos escritos por uma mulher que ainda se pode encontrar facilmente nas estantes talvez sejam os poemas de Annette von Droste-Hülshoff (1797 - 1848). É ainda considerada a primeira grande poeta de língua alemã. Certa vez, em viagem pelo Lago de Constança, os amigos com quem estavam apontaram para um castelo e disseram que ali vivera e morrera Annette von Droste-Hülshoff.  Era o belo Castelo Meersburg, construído no século 7, considerado o mais antigo castelo da Alemanha ainda habitado.

O próximo grande nome feminino na literatura alemã seria o da poeta e prosadora Else Lasker-Schüler (1869 - 1945). Não se pode discutir o Expressionismo alemão sem citar seu nome. De origem judaica, havia conquistado o respeito do país e seria a última a receber o Prêmio Kleist em 1932, um ano antes da tomada do poder pelo Partido Nazista. Já em 1933, percebendo o perigo e a catástrofe que se aproximava,  Else Lasker-Schüler emigra para a Suíça e, entre 1934 e 1937, empreendeu viagens à Palestina. Teve seu passaporte alemão cancelado pelos nazistas em 1938. No ano seguinte, viaja à Palestina mais um vez e a eclosão da Guerra impede seu retorno. A poeta e prosadora morreria em Jerusalém em 1945.

Uma entrevista interessantíssima para compreender a situação das mulheres na Alemanha daquele período é a que Hannah Arendt concede ao jornalista Günter Gaus em 1964. A própria Hannah Arendt é um dos nomes alemães mais importantes do século 20. Recomendo muito que se assista à entrevista, que pode ser encontrada online com legendas. O entrevistador começa dizendo que Arendt era a primeira mulher a ser retratada naquele programa, numa profissão que era considerada "masculina", a de filósofa. A resposta de Arendt é ótima, dizendo que apenas porque uma profissão foi exercida na maioria dos casos por homens não quer dizer que a situação tenha que permanecer assim. Com elegância, ela rebate várias das perguntas de Gaus. A situação mudaria no pós-guerra, mas retorno ao assunto, tratando deste período, na próxima semana. Termino com um obrigado a mulheres como  Hildegard von Bingen,  Annette von Droste-Hülshoff,  Else Lasker-Schüler e Hannah Arendt.

Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.