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Bibliothek: O alemão e seus dialetos

Ricardo Domeneck
1 de agosto de 2017

Na Alemanha, muitos ainda falam dialetos regionais em casa. O escritor Ricardo Domeneck conta sobre suas experiências com o bávaro, o berlinense e o suábio e cita exemplos de uso de variedades linguísticas na literatura.

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Dicionário de bávaro
Dicionário de bávaro, um dos muitos dialetos falados na AlemanhaFoto: picture-alliance/dpa

Para quem olha de fora, a Alemanha parece um país bastante unido e quase monolítico em sua comunidade linguística. Isso não está de todo errado. O alemão é falado pela grande maioria da população, cerca de 95%. A televisão e a educação têm um efeito unificador, ainda que devastador para algumas línguas regionais e dialetos do país.

Há línguas regionais que têm reconhecimento oficial na Alemanha, mas são realmente faladas por minorias: o dinamarquês, o sórbio, o frísio e o romani. Muitos falam ainda dialetos regionais em suas casas, especialmente as gerações mais velhas.

Não pretendo fazer aqui um ensaio sobre os muitos dialetos. Gostaria de falar sobre minha experiência pessoal com alguns deles. Meu primeiro contato com um dialeto alemão foi na Baviera, onde vivi, em Munique, por seis meses no ano 2000. O sotaque bávaro é bastante reconhecível. Mas o dialeto bávaro em si é difícil de compreender, ainda que não seja tão usado na capital do estado.

Meu primeiro confronto com ele foi em Rosenheim, quando visitei com um amigo a casa de seus tios, que, acostumados a usar apenas o bávaro na pequena cidade, não falavam tão bem o alemão. Suas variedades são faladas na Baviera, na Áustria e no Tirol. Segundo o censo de 2015, 14 milhões de pessoas declararam falar e usar o dialeto.

Ricardo Domeneck
O escritor Ricardo Domeneck vive em BerlimFoto: Amos Fricke

Vivendo em Berlim há muito tempo, meu maior contato foi com o berlinense. Mas o berlinense não é realmente um dialeto, não em minha percepção. Quando se começa a aprender quais sons são trocados aqui, começa-se a compreender rapidamente o que dizem as senhoras da padaria e os senhores da banca de jornal. A maneira como o "ei" (ai) transforma-se em "o". Ou o "ch" que se endurece e vira um "ck".

Há, é claro, as variações de vocabulário, como ocorre no Brasil, para coisas simples como o pão, que aprendi ser Semmel (nosso pão francês) em Munique e reaprendi como Schrippe em Berlim. Assim, o que todos compreendem como Brötchen pode ser Semmel ou Schrippe ou Bömmel ou Stüütkes, dependendo de em que parte do país se está.

Minha experiência mais desorientadora com um dialeto alemão ocorreu sem dúvida no estado de Baden-Württemberg. Tive por quatro anos um relacionamento com um suábio (Schwabe), e visitávamos sua família na cidade de Friedrichshafen, às margens do Lago de Constança, todos os verões.

Pois bem, na casa dos pais, o meu querido Schwabe o trocava o alemão, imediatamente, pelo suábio, um dos dialetos mais incompreensíveis do país para quem está acostumado ao alemão. Com o suábio, não adianta tentar aprender rapidamente sílabas ou sons trocados. É simplesmente incompreensível.

Eu me sentia mal em pedir que não falassem a língua que estavam acostumados a falar entre si, claramente a "língua emotiva" da família, e ficava ali, pescando sílabas e logo desistindo de compreender qualquer coisa. A região é uma das mais ricas em termos de dialetos, com grande parte da população falando, além do suábio, variações do frâncico e do alemânico.

Na literatura alemã, é raro encontrar dialetos, a não ser em diálogos dentro de romances, quando o autor decide mostrar exatamente como as pessoas falam. O alemão Johann Peter Hebel (1760-1826) foi um pioneiro no uso de dialetos para a literatura ao publicar seus Allemannische Gedichte (Poemas alemânicos, 1803). E há um poeta austríaco de que gosto muito, H.C. Artmann (1920-2000), que usou o dialeto vienense em pleno século 20 numa série de poemas líricos.

Deixo vocês com uma estrofe de um destes poemas dialetais de H.C. Artmann. Para mim, incompreensível. Como o suábio. Ou o bávaro.

"heit bin e ned munta wuan
de bendlua schded no ima
und dea schneeane engl schdet doo
und schaut me au wia r e so ausgschdregta doolig
und mei schlof is scho soo diaf
das ma glaaweis und launxaum
winzege schdeandaln aus eis
en de aungbram
zun woxn aufaungan"

(H.C. Artmann)

Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.