Bienal do Mercosul põe arte e ciência em diálogo
3 de outubro de 2013A bienal de Artes Visuais do Mercosul reúne artistas de 26 países para discutir as relações entre arte, ciência e tecnologia. A ideia da curadora geral, a mexicana Sofía Hernández Cuy, é tornar o "clima favorável" às iniciativas que contribuam para o desenvolvimento cultural e urbano das cidades. Para isso, a Bienal está composta por projetos artísticos que aproximam questões em torno da invenção e da descoberta.
Uma dessas propostas é o projeto Máquinas da Imaginação, que traz trabalhos de artistas contemporâneos, realizados especialmente para a Bienal, em parceria com indústrias e centros de pesquisa. É o caso da obra Viajante Engolido pelo Espaço, de Cinthia Marcelle: um tapete vermelho, feito com pó de aço, que reage em contato com o ar, oxidando. Ou do filme Ano Branco, de Luiz Roque, em que um robô protagoniza o debate sobre a mudança de sexo em 2030.
Nessa Bienal também é possível ver obras históricas que dialogam com o tema principal da exposição, como a instalação Bat Cave, do início dos anos 70, do americano Tony Smith, que foi reconstruída com auxílio do espólio do artista. "Ao mostrar obras históricas pouco vistas, temos o intuito de resgatar o espírito de experimentação característico dos programas de comissões artísticas desenvolvidos desde a década de 1950 até o presente", diz Cuy.
Um dos destaques da mostra histórica é a obra Circulação, do artista alemão radicado nos Estados Unidos Hans Haacke. Ele é conhecido por obras de caráter político, que criticam o sistema institucional de arte. Em entrevista à DW Brasil, Haacke comenta a participação na bienal do Mercosul e diz que a autocensura por parte dos artistas impede que a arte contemporânea explore seus limites.
DW Brasil: Sua obra Circulação foi criada em 1969. Como esse trabalho pode ser ressignificado hoje?
Hans Haacke: Circulação funciona de acordo com as leis da física, independentemente se o visitante responde a ele e dá a ele um significado metafórico, como, por exemplo, a comparação com as artérias do coração, a ideia de um objetivo comum ou as interações coletivas entre indivíduos ou organizações. Todos os fenômenos físicos e biológicos se prestam a interpretações metafóricas. Nossa linguagem é cheia dessas imagens.
O contexto era outro, assim como os seus interesses, que estavam voltados para sistemas. Você poderia nos falar sobre o momento da criação do trabalho?
Na época em que fiz Circulação, eu usava o termo "sistema" para me referir aos meus trabalhos e assim destacar a interação e a interdependência de vários aspectos essenciais. Eu não uso mais esse termo desde os anos 1970, porque fiquei assustado com os "sistemas de armas" empregados na Guerra do Vietnã e o aumento do uso corporativo do termo. Eu também cansei do que parecia, para mim, mais e mais uma linguagem pretensiosa. No entanto, até hoje, meus trabalhos ainda podem ser entendidos como sistemas. No início da década de 1960, eles funcionavam fisicamente (Circulação é um exemplo tardio). Na segunda metade da década, eu incluí fenômenos biológicos e também estabeleci constelações sociopolíticas dinâmicas.
Seu trabalho é caracterizado por uma forte crítica às instituições artísticas. Você acha que, em todo o período de sua produção artística, as relações institucionais mudaram? Ou o seu trabalho, assim como o de outros artistas, ainda é censurado?
Como se diz, quanto mais mudanças, mais permanece tudo igual. E não é apenas o caso de sociedades autoritárias, mas também no chamado "mundo livre", com seus sensos ideológicos, financiamento público e privado, progressão na carreira e a necessidade de proteger a reputação pessoal, o que pode levar à autocensura. Entre os profissionais de instituições a autocensura é invisível e, por isso, muito perniciosa, porque ela precede o debate público dos temas. Eu não posso nem culpar os autocensores, há muito em jogo para eles, suas famílias e instituições. Ao longo da história, obras de arte que esticaram os limites comumente aceitos de seus tempos e tocaram nervos expostos eventualmente foram aceitos e podem ser celebrados, apesar de as novas produções "de ponta" não serem bem-vindas. A recepção dos meus trabalhos também segue esse modelo.
Você é um dos artistas finalistas para ocupar o quarto plinto da Praça Trafalgar em Londres - os outros três são ocupados por heróis da pátria britânica. Poderia nos contar sobre o seu projeto?
O quarto plinto foi originalmente construído para sustentar uma estátua equestre de William III. Mas o seu predecessor, o rei George IV (1762-1830), que ocupa o pedestal do canto noroeste da praça, não era nada frugal – não sobrou dinheiro para comemorar o seu irmão mais novo. Desde então, o plinto está vazio. O pintor George Stubbs era um pouco mais velho que os dois irmãos. Ele é conhecido por pintar cavalos e montarias no interior da Inglaterra. Algumas dessas pinturas estão no acervo da National Gallery na Trafalgar Square. Menos conhecidas são as suas extraordinárias gravuras da Anatomia do cavalo [Anatomy of the horse]. Eu adaptei uma delas no meu projeto. Eu planejo ter um esqueleto de cavalo ocupando o pedestal. No entanto, será um cavalo diferente da Anatomia de Stubbs e também do que carrega George IV: o esqueleto estará com uma das pernas da frente erguida. Um laço estará amarrado no seu fêmur. Os dois lados da "fita" são capazes de mostrar mensagens eletrônicas. Eles irão transmitir os índices do FTLE 100 da bolsa de Londres. O título da minha estátua é Gift horse.
A 9º Bienal do Mercosul pode ser visitada até 10 de novembro, em Porto Alegre.