Variedades elizabetanas
3 de julho de 2009
Encenar Shakespeare, não o dramático e sim o lírico: esse foi o intento do diretor norte-americano Bob Wilson em Shakespeares Sonette (Sonetos de Shakespeare), espetáculo em cartaz no Berliner Ensemble. E para tal, Wilson se associou ao compositor e músico americano-canadense Rufus Wainwright. O resultado é uma noite de variedades, com referência a todos os gêneros de entretenimento, desde a commedia dell'arte até sketches televisivos, passando pelo cabaré.
Se na era elizabetana os papéis femininos eram desempenhados por homens, Bob Wilson faz o mesmo, acrescentando a essa prática seu reverso: as atrizes fazem papéis masculinos. Essa inversão – a rainha Elizabeth 1ª, em seu trono, declamando um soneto com voz grave e o próprio Shakespeare, como jovem e ancião, em vozes femininas – intensifica ainda mais o tom farsesco do espetáculo. Tanto que nem o número esporádico do ator travesti Georgette Dee, de microfone na mão, chega a destoar muito do entorno shakespeariano.
"Se mais clara que o Sol, ao olhar cego irradia / e tão feliz me faz, de noite, em sonho, a forma / da tua sombra, que enlevo, ah! não fora de dia / essa sombra que em luz outras sombras transforma?" (soneto 43, na tradução de Jerônimo de Aquino). A contínua alternância de vozes, de personagens e de cenas confere à peça de Wilson um tom onírico, no qual o lirismo e o grotesco convivem, ao lado do sentimental e do patético.
A encenação de Bob Wilson revela o quanto a poesia de Shakespeare comporta. Por um lado, as composições de Wainwright têm o potencial de transformar os sonetos elizabetanos em hits pop – uma banalização que pode até encantar. Por outro, a prática da repetição exaustiva das mesmas palavras em diferentes contextos, recorrente nas peças de Wilson, ajuda a recuperar o que certos versos têm de sublime.
A escolha de uma fonte textual lírica para a encenação não torna o espetáculo pouco dramático. A técnica wilsoniana de inserir pequenos interlúdios esporádicos no fluxo do enredo (módulos cênicos denominados knee pieces por causa de sua função de articulação) é levada ao extremo na sua encenação dos sonetos de Shakespeare para o Berliner Ensemble. É como se o espetáculo fosse composto apenas de breves articulações dramáticas inter-relacionadas.
O design cênico altamente estilizado de Bob Wilson – que no início de seu êxito internacional contribuiu para limpar o palco de todos os naturalismos, seja nos adereços ou na forma de atuação – já se tornou marca registrada e se repete a cada nova encenação. Isso não é novidade. Em uma miscelânea de tantos gêneros pop como Shakespeares Sonette, no entanto, o modelo formal de Bob Wilson quase perde a intenção de seriedade, parecendo mais uma citação de si mesmo.
Autora: Simone Lopes
Revisão: Roselaine Wandscheer