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"Bolsonaro passa mensagem atentatória à vida", diz Doria

10 de junho de 2020

Em entrevista à DW Brasil, governador de São Paulo critica gestão do governo federal na pandemia e atribui seu rompimento com o presidente à forma errática com que ele conduz o país. "Bolsonaro desrespeita a democracia."

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João Doria, governador de São Paulo
João Doria (PSDB) comanda o estado mais afetado pela epidemia de coronavírusFoto: Getty Images/R. Paiva

De um dos nomes mais fortes em apoio ao presidente Jair Bolsonaro na campanha presidencial de 2018, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), tornou-se crítico ferrenho do governo federal, em especial quanto à gestão do Palácio do Planalto diante da epidemia de covid-19.

Em entrevista à DW Brasil, Doria diz que o rompimento se deveu aos erros cometidos pelo chefe de Estado, que não só falhou em implementar o projeto liberal prometido durante a campanha, mas ainda demonstrou um viés autoritário à frente do Planalto. "Ele desrespeita a democracia e os direitos humanos", critica.

Sobre a condução da crise do coronavírus, o líder paulista afirma que Bolsonaro criou hostilidades com todos os governadores, que ao contrário do presidente defenderam o isolamento social, além de dar "péssimos exemplos" ao sair às ruas, provocar aglomerações e não usar máscara. "A mensagem que ele passa é atentatória à vida, à preservação da saúde da população brasileira", diz.

À DW, Doria comenta ainda sobre o plano de reabertura de São Paulo, estado mais afetado pela epidemia e que nesta terça-feira (09/06) bateu novo recorde de mortes, com 334 óbitos em 24 horas, bem como sobre a importância da transparência na divulgação dos dados à população, em meio ao apagão de informações promovido recentemente pelo governo federal.

DW Brasil: São Paulo é o estado mais afetado pelo coronavírus, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou, em relação à América Latina, que o "pior ainda está por vir". Já se fala, contudo, em retomada de aulas presenciais para os estudantes da rede pública estadual. Não faz muito tempo, o senhor afirmava que se necessário optaria pelo lockdown, e hoje os casos seguem crescendo. Não é muito cedo para se falar em reabertura?

João Doria: Sempre dissemos que temos todos os protocolos prontos, porque nos preparamos com antecedência. O que temos é o protocolo pronto [para lockdown] e só o utilizaremos se for recomendado pelo comitê de saúde. Nunca disse que faríamos, com certeza, o lockdown, mas é muito importante destacar que nós estamos em quarentena. Não abrimos mão da quarentena e não vamos abrir.

Estamos vivenciando agora o quarto período de quarentena e, a partir do dia 16 de junho, teremos um novo período. Ocorre que agora também temos o chamado "Plano São Paulo", que é heterogêneo. Em três períodos de quarentena tivemos um programa homogêneo, igual para todo o estado de São Paulo.

A recomendação para ficar em casa continua. Se você tiver que sair, use máscara, lave as mãos, passe álcool em gel, respeite o distanciamento social. Toda a programação da quarentena está em vigor. Seguimos sempre as orientações do comitê de saúde. Temos especialistas em algoritmos que nos orientam também sobre dados – seja sobre a pandemia aqui em São Paulo e no Brasil, seja no âmbito internacional. Isso nos dá um ganho de tempo para tomar medidas, sobretudo tendo como referência o que deu certo em países que apresentaram bons resultados no controle e combate ao coronavírus. 

O senhor menciona a importância de dados no combate à pandemia. Um exemplo recente, na contramão disso, é a falta de transparência na divulgação dos dados consolidados pelo Ministério da Saúde.

Primeiro, como decisão do governo federal, é um erro gravíssimo. Não se pode esconder, manipular ou evitar a transparência dos dados. Em qualquer circunstância, fossem quais fossem os resultados, a transparência determina que os dados sejam disponibilizados à opinião pública. Há o agravante de se tratar de uma pandemia que envolve milhares de pessoas infectadas e, lamentavelmente, de mortes.

Não faz nenhum sentido o governo anunciar que vai maquiar esses dados, tentando escondê-los e divulgando-os em horários extremos para diminuir a capacidade do efeito das informações. Defendo a transparência absoluta. São Paulo envia os dados ao Ministério da Saúde desde o dia 26 de fevereiro. Diariamente, até as 16h. Fazemos coletiva de imprensa todos os dias no Palácio dos Bandeirantes. Transparência é respeito pela vida e pela democracia.

O governo de São Paulo já pagou R$ 242 milhões por respiradores chineses que deveriam ter chegado em maio, mas, segundo a fabricante, podem chegar somente em setembro. Há algum plano quanto a isso?

Compramos 1,8 mil respiradores da Turquia para não ficarmos dependentes da China e foram entregues no último domingo (07/06). Esses respiradores são adquiridos de uma estatal chinesa que, infelizmente, não cumpriu com o compromisso da entrega. Chegaram apenas 130 de um total de 3 mil. Pedimos à Procuradoria-Geral do Estado para analisar o contrato, a fim de verificar se seguimos com ele, desde que todos os equipamentos sejam entregues até 31 de julho. Caso contrário, o contrato será cancelado. Nós já pagamos, na verdade, 30% desse valor. Eles terão que ou complementar a entrega ou devolver a diferença, além de arcar com a multa do contrato. 

O senhor fez campanha para Jair Bolsonaro na eleição de 2018 e, em questão de meses, passou de um dos principais apoiadores do presidente a, digamos, desafeto. Por que a lua de mel durou tão pouco tempo?

Pelos erros cometidos por ele. Não tenho compromisso com o erro. Eu e milhões de brasileiros. O presidente Bolsonaro foi eleito com quase 60 milhões de votos. Hoje há cerca de 30 milhões de eleitores que ainda são partidários dele. Ele perdeu 30 milhões ao longo desse período pelas mesmas razões que perdeu o meu apoio e de várias outras pessoas públicas, personalidades e artistas que acreditavam em seu projeto liberal – que não só não foi implementado, como ainda demonstrou um viés autoritário.

Ele criou hostilidades com todos os governadores, principalmente agora na pandemia. Todos os governadores defenderam o isolamento social. Ele não. E dá péssimos exemplos: vai às ruas promovendo aglomerações, não usa máscara, não recomenda à população que fique em casa. A mensagem que ele passa é oposta a isso. É uma mensagem atentatória à vida, à preservação da saúde da população brasileira.

Um dos argumentos do presidente é a inflexibilidade quanto ao isolamento, ou seja, uma contrariedade quanto à reabertura da economia e à flexibilização das quarentenas por parte dos estados. As primeiras reuniões entre governadores e o presidente foram tensas. Recentemente o senhor mesmo relatou um clima mais cordial. Algum governador se mostrou contra a flexibilização? 

Foram momentos distintos. A última reunião na verdade foi a segunda reunião com os governadores em 17 meses, desde a posse. Foram duas reuniões, uma por regiões e a do dia 21 de maio. Nessa, o tema era a aprovação do projeto de ajuda aos estados, proposta que foi votada no Congresso Nacional, destinando R$ 60 bilhões de apoio ao programa contra a pandemia e para o atendimento social. Importante ressaltar que essa medida não partiu do governo, e sim do Congresso Nacional. Foi discutida, votada e aprovada. Ele tinha que sancionar, mas queria fazer uma reunião prévia com os governadores porque defendia uma medida que nós também defendemos, sobre não reajustar os salários do funcionalismo por 18 meses. Houve um consenso entre os governadores. Todos concordaram e elegeram três porta-vozes para a reunião [Doria, Reinaldo Azambuja (PSDB), do Mato Grosso do Sul, e Renato Casagrande (PSB), do Espírito Santo].

Foi uma reunião curta e não tinha sequer razão para embate. Foram momentos distintos, portanto. Não se tratou de um movimento de ordem política; foi uma decisão funcional e a reunião não levou mais do que 20 minutos.

Dezessete meses, dois encontros, e ambos devido a uma situação de exceção. Não é pouco diálogo entre governadores e a Presidência?

Pouquíssimo, sendo que nós somos uma federação. Ou seja, o diálogo é fundamental. Isso mostra o desinteresse do presidente Jair Bolsonaro na relação republicana com os governadores brasileiros.

A imprensa internacional tem noticiado que o Brasil está perdendo a batalha contra o coronavírus. Somos hoje o terceiro país do mundo com mais óbitos e o segundo em casos. O quanto isso tem prejudicado a imagem do país internacionalmente?

O que tem prejudicado a imagem do Brasil no exterior é o presidente Jair Bolsonaro, pela forma errática com que ele conduz o país, pela forma errática com que ele trata a pandemia, pela forma errática com que ele desrespeita a democracia e os direitos humanos. Pela forma como ele desrespeita os veículos de comunicação e como desrespeita chefes de Estado, como fez com a chanceler da Alemanha, com o presidente da França, com o primeiro-ministro da Inglaterra e com o presidente da Argentina, apenas para citar alguns casos. 

O senhor menciona prejuízos e a relações com diversos países. Por outro lado, nota-se uma opção por um alinhamento quase unilateral com os EUA. Como enxerga essa questão?

Os Estados Unidos sequer são o principal parceiro comercial do Brasil. É a China – aliás, também vítima de agressão do governo Bolsonaro. Os EUA são o segundo parceiro comercial do Brasil e vêm se distanciando, pelas políticas protecionistas do presidente Donald Trump e segregadoras em relação à América Latina como um todo, a ponto de proibir voos regulares entre EUA e Brasil [Os EUA proibiram, na verdade, a entrada de passageiros vindos do Brasil em meio à pandemia]. Ou seja, esse favorecimento aos EUA ainda é "correspondido" com atitudes hostis por parte do presidente Trump. É um erro estratégico tanto de diplomacia como de relação comercial.

Em 31 de maio, São Paulo registrou confrontos entre manifestantes favoráveis ao presidente e manifestantes que se dizem pró-democracia. No dia seguinte, o senhor declarou que não iria permitir mais a realização de manifestações com objetivos antagônicos no mesmo dia. São manifestações legítimas?

São legítimas e não há nenhum questionamento em relação a elas quanto a isso. O governo só se posiciona de forma contrária ao confronto. E convocar manifestações contrárias no mesmo dia, horário e local estimularia um confronto e geraria riscos à própria saúde e integridade física das pessoas envolvidas. Por isso solicitamos ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) que não autorizasse manifestações no mesmo dia, horário e local, que era o que os grupos desejavam originalmente. 

Felizmente, a Justiça deu razão ao governo de São Paulo e determinou que estavam proibidas as manifestações nessas condições. Nossa petição foi feita com o objetivo de garantir a livre manifestação, desde que fossem em locais distintos. Até poderiam ser no mesmo dia, mas com pelo menos cinco quilômetros de distância entre um ato e outro e que fossem evidentemente resguardadas e respaldadas pela Polícia Militar. 

Em 1° de junho, o senhor pediu a abertura de um inquérito policial contra a ativista bolsonarista Sara Fernanda Giromini, conhecida como Sara Winter. Essa decisão acaba demonstrando a visão do senhor sobre esse grupo que se intitula "300 pelo Brasil".

O que vejo como problema é a agressão por meio das redes sociais e as ameaças de agressão física, de morte e ofensas. Isso não é democrático. Manifestações favoráveis ou contrárias a governos ou a iniciativas, desde que feitas de forma responsável, fazem parte da democracia, goste você ou não. O que não é razoável são ameaças, como fizeram comigo e com outros – inclusive com um dos ministros do STF [Alexandre de Moraes]. Ele também tomou atitudes de ordem judicial contra essas ameaças. Diante disso, nossa reação foi e continuará sendo invocar a lei.

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