Bolsonaro pediu que Enem chamasse golpe de 64 de "revolução"
19 de novembro de 2021O presidente Jair Bolsonaro pediu ao ministro da Educação, Milton Ribeiro, que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano tivesse questões que tratassem o golpe militar de 1964 como uma "revolução", segundo informações do jornal Folha de S.Paulo.
Servidores do governo relataram ao jornal que Bolsonaro fez o pedido no primeiro semestre, e que Ribeiro tratou do tema com funcionários do Ministério da Educação e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que organiza o exame, mas não teria havido mudança nas questões.
O Enem deste ano começa a ser realizado no domingo (21/11) por 3,1 milhões de candidatos e é o principal meio de acesso ao ensino superior do país.
Esta edição ocorre em meio a uma crise provocada pela debandada, na semana passada, de 37 servidores do Inep, que pediram exoneração acusando o órgão de desconsiderar critérios técnicos e promover assédio moral para retirar da prova questões que desagradassem o governo.
Nesta sexta-feira, o Tribunal de Contas da União abriu uma investigação para apurar as denúncias dos servidores.
O uso do termo golpe militar para definir os acontecimentos de 1964 é majoritário entre os historiadores. O termo "revolução" era usado pelos militares e civis que conduziram o golpe, até como uma forma de tentar pintar a ruptura institucional como um ato legítimo. Hoje em dia, o uso de "revolução" para se referir ao golpe continua sendo associado a defensores do antigo regime militar.
A ditadura teve início com a derrubada do governo do então presidente democraticamente eleito, João Goulart, e foi marcada por censura à imprensa, fim das eleições diretas para presidente, fechamento do Congresso Nacional, tortura e assassinato de dissidentes e cassação de direitos.
Bolsonaro é um defensor do golpe militar de 1964 e já homenageou torturadores do regime. Em seu primeiro ano como presidente, ele determinou que o Ministério da Defesa comemorasse a data do golpe, o que vem sendo feito.
Bolsonaro e Enem
A intenção de Bolsonaro de interferir no conteúdo das questões do exame já foi manifestada pelo presidente diversas vezes. Nesta segunda-feira, ele disse que o Enem deste ano estaria mais alinhado aos princípios do governo.
"Agora, começam a ter a cara do governo as questões da prova do Enem. Ninguém precisa estar preocupado com aquelas questões absurdas do passado, temas de redação que não tinham nada a ver com nada", afirmou.
Em 2020, Bolsonaro criticou uma questão do exame daquele ano que tratava da desigualdade salarial entre os jogadores de futebol Neymar e Marta, estrelas das seleções masculina e feminina. Ele considerou a pergunta "ridícula".
Segundo a Folha, desde 2019, quando Bolsonaro tomou posse, o Enem não inclui questões sobre a ditadura militar, algo inédito para o exame. Neste ano, servidores do governo relataram ao jornal temor com possíveis punições se a prova desagradar o presidente.
Uma reportagem veiculada no último domingo pelo programa Fantástico, da TV Globo, apontou que o governo pressionou servidores para retirar pelo menos 20 questões de uma primeira versão da prova deste ano, que tratavam de temas históricos, sociais, políticos e econômicos.
Escolha das questões do exame
As questões utilizadas no Enem são retiradas do Banco Nacional de Itens (BNI), organizado pelo Inep. Esse banco é formado por questões elaboradas por professores com experiência em criação e revisão de itens do ensino médio e contratados por meio de edital público. As questões elaboradas pelos professores passam por revisão, e as autorizadas por especialistas em cada área integram o BNI.
Para preparar o Enem, especialistas do Inep e professores acessam o banco e selecionam as questões que serão utilizadas. Há ainda uma calibragem para que para que os exames tenham um nível de dificuldade semelhante todos os anos.
Neste ano, o Ministério da Educação tentou incluir 22 professores que não haviam sido aprovados pelo processo seletivo público na equipe que escolhe as questões para a prova, segundo o jornal O Estado de S. Paulo. A lista incluía apoiadores do presidente, uma professora de biologia criacionista e quatro professores ligados à Universidade Mackenzie, origem do ministro Ribeiro.
Houve reação dos servidores do Inep e o presidente do órgão, Danilo Dupas, que segundo o jornal teria participado da formulação da lista, acabou retirando os nomes da relação dos professores que selecionam as questões.
Nesta quarta-feira, diversas entidades educacionais moveram uma ação civil pública pedindo o afastamento de Dupas, sob o argumento que sua gestão poderia causar danos gravíssimos à realização do exame. No mesmo dia, o ministro Ribeiro afirmou em audiência na Câmara dos Deputados que não houve "ordem de cima" para trocar questões do Enem.
bl (ots)