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Estado de DireitoBrasil

Bolsonaro é alvo da PF e tem passaporte apreendido

Publicado 8 de fevereiro de 2024Última atualização 8 de fevereiro de 2024

Investigação de suposta tentativa de golpe de Estado atinge cúpula bolsonarista, incluindo generais Augusto Heleno e Braga Netto, além de ex-comandantes das Forças Armadas. Ex-assessores são presos.

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O ex-presidente Jair Bolsonaro aparece mordendo os lábios, com semblante de preocupação.
Passaporte do ex-presidente Jair Bolsonaro foi apreendido durante buscas na sede do Partido Liberal (PL), em Brasília.Foto: Marco Bello/REUTERS

A Polícia Federal (PF) deflagrou nesta quinta-feira (08/01) a Operação Tempus Veritatis, que investiga uma suposta organização criminosa que teria atuado na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado democrático de direito.

O objetivo dos envolvidos, segundo a PF, seria obter vantagem de natureza política com a manutenção do então presidente Jair Bolsonaro no poder. O ex-chefe de governo é um dos alvos da operação, iniciada por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

A PF esteve na casa de Bolsonaro em Angra dos Reis e apreendeu o celular do seu ex-assessor Tércio Arnoud Thomaz. Os policiais pediram também que Bolsonaro entregasse seu passaporte. Como o documento não estava no local, o ex-presidente recebeu um prazo de 24 horas para entregá-lo à polícia. Mais tarde, o passaporte foi apreendido durante buscas realizadas na sede do Partido Liberal (PL), de Bolsonaro, em Brasília.

O ex-presidente também foi proibido de fazer contato com aliados que são alvo da operação, como o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, e os ex-ministros Braga Netto (Casa Civil) e Anderson Torres (Justiça), além do presidente do Partido Liberal, Valdemar Costa Neto – que acabou sendo preso por porte ilegal de arma e liberado dois dias depois.

Costa Neto, a princípio, seria apenas alvo de mandados de busca e apreensão. No entanto, durante as ações, ele foi flagrado portando ilegalmente uma arma, o que justificou sua prisão.

Também foram presos na operação Filipe Martins, ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, e o coronel Marcelo Câmara, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro na Presidência e atual segurança do ex-presidente contratado pelo PL. Segundo a PF, Martins foi preso em Ponta Grossa, no Paraná.

Delação de Cid

Foram cumpridos, ao todo, 33 mandados de busca e apreensão e quatro de prisão preventiva, além de 48 medidas cautelares que incluem a proibição de manter contato com outros investigados, de se ausentar do país, com entrega dos passaportes, e a suspensão do exercício de funções públicas. Ao menos 16 alvos da operação são militares.

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A operação é decorrente da delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e de outras investigações. 

Cid fez a delação depois de ter sido preso em maio de 2023 por seu envolvimento no caso da falsificação de cartões de vacinação de Bolsonaro e de outras pessoas próximas ao ex-presidente.

O tenente-coronel também é alvo das investigações sobre o esquema de venda de presentes recebidos em viagens oficiais ao exterior, como no caso das joias sauditas, e da suspeita de desvios de recursos públicos do Palácio do Planalto.

Tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, durante depoimento à CPI no Senado
Operação da PF é decorrente da delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de BolsonaroFoto: Edilson Rodrigues/Agencia Senado

As medidas judiciais foram cumpridas nos estados do Amazonas, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Ceará, Espírito Santo, Paraná e Goiás, além do Distrito Federal.

Minuta golpista 

A decisão de Alexandre de Moraes que deflagrou a operação desta quinta-feira revelou que a Polícia Federal descobriu uma minuta golpista que previa a prisão dele próprio, do também ministro do STF, Gilmar Mendes, e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Segundo a PF, Bolsonaro recebeu a minuta de seus assessores Filipe Martins (preso pela PF) e Amauri Feres (alvo de busca), e pediu para que fossem retirados os nomes de Mendes e Pacheco, mantendo o de Moraes, assim como um trecho que previa a realização de novas eleições.

A minuta com as alterações pedidas por Bolsonaro foi encontrada na residência de Anderson Torres em operação realizada após os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando ocorreram os ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília.

A PF afirma que os bolsonaristas monitoravam a agenda e os voos de Moraes em tempo integral, no intuito de prendê-lo se houvesse o golpe militar. O PL, segundo a corporação, foi usado para financiar narrativas de apoio a ataques às urnas, como o relatório apresentado em dezembro de 2022 pela coligação da candidatura de Bolsonaro à reeleição, que questionava o resultado do pleito vencido por Luiz Inácio Lula da Silva.

Núcleos de atuação

"As apurações apontam que o grupo investigado se dividiu em núcleos de atuação para disseminar a ocorrência de fraude nas eleições presidenciais de 2022, antes mesmo da realização do pleito, de modo a viabilizar e legitimar uma intervenção militar, em dinâmica de milícia digital", informou a PF.

"O primeiro eixo consistiu na construção e propagação da versão de fraude nas eleições de 2022, por meio da disseminação falaciosa de vulnerabilidades do sistema eletrônico de votação, discurso reiterado pelos investigados desde 2019 e que persistiu mesmo após os resultados do segundo turno do pleito em 2022", completou a corporação.

Grupos de bolsonaristas vistos através de vidro quebrado de janela do Palácio do Planalto
Em 8 e janeiro de 2023, bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, en BrasíliaFoto: Joedson Alves/Agência Brasil

Já o segundo eixo de atuação do grupo, de acordo com o comunicado, consistiu na prática de atos para subsidiar a abolição do Estado democrático de direito, por meio de um golpe de Estado, com apoio de militares com conhecimentos e táticas de forças especiais em "ambiente politicamente sensível".

A PF destacou também que os fatos investigados configuram crimes de organização criminosa, abolição violenta do Estado democrático de direito e golpe de Estado.

Os investigadores apuraram que militares da ativa pressionaram membros das Forças Armadas que eram contrários ao movimento golpista para que aderissem à tentativa de virada de mesa para garantir a permanência de Bolsonaro no poder.

Segundo as investigações, os comandantes das Forças Armadas teriam participado da reunião em que foi apresentada a minuta de decreto golpista elaborada por Filipe Martins, assim como o então ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira. O brigadeiro Baptista Júnior, da Aeronáutica, não teria comparecido.

Heleno: "não vai ter VAR"

Durante uma reunião da cúpula do governo, em julho de 2022, o general Augusto Heleno cobrou que os órgãos governamentais agissem para assegurar a vitória de Bolsonaro nas eleições. 

"Não vai ter revisão do VAR [sistema de vídeo usado para dar apoio aos árbitros em jogos de futebol]. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições", disse Heleno, citado pela PF. 

"Eu acho que as coisas têm que ser feitas antes das eleições. E vai chegar a um ponto que nós não vamos poder mais falar. Nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas. Isso pra mim é muito claro", afirmou o general.

General Braga Netto ao lado de Jair Bolsonaro em cerimônia
Candidato a vice de Bolsonaro, general Braga Netto chamou de "cagão" comandante do Exército que se recusou a aderir ao golpeFoto: EVARISTO SA/AFP

Para a PF, a fala evidencia a pressão aos órgãos vinculados ao governo federal para que atuassem no intuito de assegurar a vitória de Bolsonaro. Os investigadores tomaram conhecimento da reunião por meio de um vídeo encontrado no computador de Mauro Cid.

Em sua decisão, Alexandre Moraes destacou que a descrição da reunião "nitidamente, revela o arranjo de dinâmica golpista, no âmbito da alta cúpula do governo".

Braga Netto pediu a "cabeça" do chefe do Exército

O general Braga Netto, candidato a vice-presidente de Bolsonaro em 2022, chamou de "cagão" o comandante do Exército, general Freire Gomes, que se recusou a aderir ao golpe de Estado. Em conversa com o capitão reformado do Exército Ailton Gonçalves Moraes Barros, ele acusou Freire Gomes de "omissão e indecisão".

Após Barros sugerir que o comandante do Exército fosse pressionado, Braga Netto concorda e responde: "Oferece a cabeça dele. Cagão".

A PF afirma que em 9 de dezembro de 2022, o general Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército, se reuniu com Bolsonaro no Palácio da Alvorada e se colocou à disposição para aderir ao golpe de Estado. A informação foi obtida através das conversas no telefone celular de Mauro Cid.

A condição colocada pele general para aderir ao golpe e colocar tropas especiais nas ruas seria que Bolsonaro assinasse uma minuta que determinasse o golpe de Estado.

rc/md/cn/gb/ra (EBC, ots)