Marco Reus tinha um sonho. Ele nasceu em Dortmund e desde criança torcia ardorosamente pelo Borussia local. Dos sete aos 17 anos passou por praticamente todos os times de base do clube, mas por uma dessas contradições inexplicáveis, ninguém prestou muita atenção no talentoso jovem. Acabou indo para o clube xará de Mönchengladbach, onde atuou por três temporadas, mas acabou voltando ao seu clube do coração em 2012. Quando chegou para sua primeira coletiva de imprensa decretou: "Volto ao Borussia Dortmund porque meu sonho é vencer o título de campeão alemão vestindo a camisa aurinegra”.
À cada temporada que passa, no entanto, esse talentoso meio campista ofensivo vê o seu sonho ficar cada vez mais longe de se realizar e, aos 31 anos de idade, já atingindo o ocaso de sua carreira, corre considerável perigo de não alcançar seu objetivo de ao menos uma vez na vida: o de erguer a salva de prata, símbolo máximo da conquista do título de campeão alemão.
Reus tem plena consciência disso. Logo depois de mais uma derrota da equipe, desta vez para o Borussia M'Gladbach, indagado sobre as chances de ainda vencer o campeonato, o capitão foi enfático: "Nem antes, nem durante e nem depois da partida, pensamos no título. Isto não tem mais nenhuma relevância”.
Michael Zorc ocupa o cargo de diretor esportivo do Dortmund desde 1998 e no ano passado prorrogou seu contrato com o clube até 2022. Depois das duas últimas derrotas consecutivas frente aos seus concorrentes diretos Bayer Leverkusen e Borussia M'Gladbach, Zorc não usou meias-palavras: "Sonhar com o título equivale a construir castelos no ar. O nosso desafio agora é a classificação para a Champions League da próxima temporada. Não percamos tempo falando sobre o título, mas vamos nos dedicar de corpo e alma às nossas lições de casa”. Equivale a dizer – terminar o campeonato pelo menos em quarto lugar na tabela o que dá direito a participar do torneio de clubes mais importante do futebol mundial.
Objetivo bem modesto, diga-se de passagem, para quem ainda sonhava alto no início da atual campanha. Menos mal que a equipe ainda está presente na Copa da Alemanha e na Champions da temporada em curso. Vai disputar as oitavas de final em ambas as competições.
Assunto é que não falta quando se discute a atual queda de rendimento do Dortmund, uma equipe recheada de jovens talentos.
Do ponto de vista tático, causa espanto a vulnerabilidade da defesa aurinegra quando confrontada com jogadas do adversário oriundas de bola parada (escanteios, cobrança de faltas e laterais ou até tiro de meta do goleiro adversário). Em 18 jogos, o time já sofreu 26 gols dos quais 13 (50%) se originaram de uma situação com a bola parada. É o segundo pior índice da Liga. Apenas o seu arquirrival da região do Ruhr, o Schalke 04, tem uma quota ainda pior.
Nas derrotas diante do Colônia e do Union Berlin ficou evidentes o quanto o setor defensivo comandado por Mats Hummels fica desatento e desconcentrado na hora da cobrança de um escanteio, por exemplo. O Colônia e o Union Berlim venceram o Dortmund por 2 a 1. Os quatro gols tiveram sua origem na cobrança de escanteios.
Em Dortmund ouvem-se críticas também sobre o modelo de negócios do clube. O Borussia é tido e havido como revelador e incentivador de jovens talentos como Sancho, Reyna, Bellingham e Moukoko. É uma prática que não vem de agora. Está estabelecida há alguns anos no clube. Basta lembrar de Dembélé e Pulisic.
Acontece que estes jovens mal saíram da adolescência e ainda não chegaram à idade adulta. Enquanto em outros clubes jogadores nessa idade são integrados gradativamente ao time principal, adquirindo experiência aos poucos ao lado dos profissionais com mais quilometragem, no Borussia Dortmund eles se tornam protagonistas com incrível rapidez. Consequentemente se exige muito deles e não se leva em consideração que nesta idade o desempenho do jogador pode variar muito. Apresentações de alto desempenho se alternam com presenças pífias especialmente em partidas decisivas. A obrigação de protagonizar pesa demais sobre os ombros desses talentos ainda em formação.
O maior exemplo é a fraquíssima performance de Sancho (20 anos) se comparada com seu espetacular desempenho na temporada passada.
Para o clube, entretanto, geralmente é um ótimo negócio. Adquire talentos que mal saíram da puberdade a preço de banana e pouco tempo depois aufere valores milionários com a venda para os grandes clubes da Espanha ou da Inglaterra. As transferências de Dembélé e Pulisic, por exemplo, renderam quase 200 milhões de euros ao Dortmund, só para citar dois exemplos.
Outra consequência deletéria diz respeito ao desenvolvimento da equipe como um todo. Já se cogita agora por quantos milhões de euros talentos como Erling Haaland ou Jadon Sancho poderão ser negociados no mercado internacional. Estruturar e desenvolver um conjunto exige um trabalho a médio/longo prazo. Não se forma um esquadrão de uma hora para outra. E vender jovens talentos para auferir lucros rapidamente pode fazer bem para o balanço financeiro do clube, mas do ponto de vista esportivo, costuma resultar na desestruturação de um time recém-formatado, com resultados medíocres.
Se o Borussia Dortmund realmente quiser lutar pelo título de campeão alemão mais uma vez, vai precisar reavaliar o trabalho do seu departamento de compras e vendas de jogadores. Terá que decidir se prioriza o lado esportivo ou se vai continuar na mesma toada de privilegiar os cofres cheios às custas de um time cujo único objetivo será entrar no G4 para dar palco aos jovens a serem vendido a preço de ouro.
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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Atuou nos canais ESPN como especialista em futebol alemão de 2002 a 2020, quando passou a comentar os jogos da Bundesliga para a OneFootball de Berlim. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças.