Brasil e UE em queda de braço pela carne
25 de abril de 2018Um golpe duro, motivado comercialmente, mas possível de ser superado. É assim que o governo e a indústria de proteína animal do Brasil, estratégica para uma economia claudicante, encaram o bloqueio imposto na semana passada pela União Europeia a 20 frigoríficos que exportam carne, principalmente de frango, para o bloco.
A proibição, anunciada em 19 de abril pela UE, não foi exatamente uma surpresa no Brasil. Em 2017, a deflagração da Operação Carne Fraca pela Polícia Federal colocou o controle sanitário nacional sob desconfiança, e Bruxelas reagiu intensificando as inspeções dos produtos brasileiros. Na época, o bloco já manifestava preocupação e pedia maior rigor ao governo, mas não chegou a aplicar nenhum tipo de sanção. No mês passado, a Operação Trapaça, um desdobramento da Carne Fraca, trouxe o tema novamente à tona.
Pedro de Andrade Faria, ex-presidente da BRF, a campeã brasileira de exportações de frango, foi preso acusado de tentar acobertar um esquema de fraudes em resultados de exames sanitários em unidades exportadoras da companhia. O governo brasileiro suspendeu preventivamente essas unidades em uma tentativa de mostrar compromisso.
No dia 17, após retornar de uma viagem a Bruxelas, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, já adiantava que a UE planejava a suspensão. No dia seguinte, o ministério cancelou o autoembargo e liberou as unidades da BRF. No outro dia, veio a decisão da UE – das 20 plantas afetadas, 12 são da BRF.
O bloqueio dos frigoríficos atinge uma indústria importante para o Brasil. O país é o maior exportador de proteína animal do mundo, uma condição alcançada entre 2004 e 2005 após décadas de ações da iniciativa privada e do governo.
"O Brasil não chegou a essa condição à toa", afirma Vladimir Fernandes Maciel, coordenador do Centro de Liberdade Econômica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, instituição particular de São Paulo.
Um setor que emprega milhões
As exportações de carne brasileira começaram em 1976, com a Sadia, que hoje integra a BRF, e a partir da década de 1990 houve uma significativa modernização e profissionalização da cadeia produtiva.
"Havia uma produção desconcentrada, com abate informal muito grande. De olho nos mercados externos, algumas empresas-âncora passaram a impor padrões de qualidade para o produtor, inclusive auxiliando no controle de qualidade e lideraram esse processo de organização", afirma Maciel.
"Ao mesmo tempo, o governo começou a estabelecer normas, procedimentos e padrões sanitários equivalentes aos existentes em outros mercados consumidores e, em um segundo momento, o setor foi assumido como estratégico pelo Estado", destaca o especialista da Mackenzie.
Na esteira da política das "campeãs nacionais" dos governos do PT, empresas como a BRF e a JBS se beneficiaram de empréstimos baratos do BNDES para consolidar sua liderança nacional e mundial.
Mas, assim como PT e PMDB, que experimentam agruras por conta de grandes investigações de corrupção, as empresas beneficiadas nos governos recentes também sofrem as consequências das operações da PF e do Ministério Público.
No caso da carne de frango, que agora é alvo da medida europeia, o Brasil é o segundo maior produtor do mundo e seu principal exportador. Das cerca de 13 milhões de toneladas processadas anualmente, um terço é vendido para mais de 160 países ou territórios.
No ano passado, a receita gerada foi de 7,2 bilhões de dólares. Os empregos na cadeia produtiva são 3,5 milhões. De imediato, a BRF e a Aurora colocaram diversas plantas em férias coletivas, que atingem 9 mil empregados diretos.
A UE responde por cerca de 10% do volume de exportações brasileiras de carne frango. É um mercado de destaque, pois o produto tem custo alto e margem de lucro baixa, e o importador europeu, assim como o consumidor, é exigente e paga bem por cortes nobres e carne de alta qualidade.
Com a suspensão dos 20 frigoríficos, cerca de 30% a 35% das exportações de frango à UE devem ser afetadas, segundo estimativa do Ministério da Agricultura.
Para o Brasil, uma decisão comercial
A justificativa da UE para sua decisão foram as "deficiências detectadas no sistema de controle oficial do Brasil". Nas operações Carne Fraca e Trapaça, a PF investigou fraudes em inspeções a respeito da presença de salmonela, uma bactéria comum na flora intestinal dos animais e dos humanos, na carne de frango. Há milhares de tipos de salmonela, alguns mais perigosos que outros, e eles podem causar infecção intestinal e, em casos graves, infecção generalizada.
Para a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), não se trata apenas de uma questão sanitária, mas também comercial. Em nota, a entidade afirmou que a suspensão dos frigoríficos é "infundada" e a classificou como "uma medida protecionista que não se ampara em riscos sanitários ou de saúde pública".
A reclamação do Ministério da Agricultura e da ABPA é que a União Europeia faz inspeções diferentes para a carne de frango in natura e para a carne de frango com 1,2% de sal adicionado. A segunda passa por uma inspeção de milhares de tipos de salmonela, enquanto a primeira testa apenas dois tipos da bactéria (os mais perigosos – Salmonella typhimurium e Salmonella enteritidis), mas enfrenta uma taxa de 1024 euros por tonelada para entrar no bloco econômico.
"A Europa diz que é um problema sanitário, mas se você pagar o imposto, não é sanitário", afirma Ricardo Santin, vice-presidente de Mercados da ABPA.
Além disso, dizem o ministério e a ABPA, esses outros tipos de bactéria não fazem mal à saúde, pois morrem em temperaturas altas, como as de cozimento ou fritura, e praticamente ninguém come frango cru. Alguns especialistas rebatem, alegando que a manipulação da carne com salmonela poderia contaminar outros produtos da cozinha, ainda que o frango fosse cozido.
"Se eu pegar um peito de galinha com salmonela que não causa mal à saúde, cortá-lo ao meio e mandar metade sem sal, ele vai entrar e ser consumido normalmente, mas vai pagar uma tarifa de 1024 euros por tonelada", diz Santin. "Se na outra metade eu adicionar 1,2 grama de sal, esse peito vai chegar à Europa e ser devolvido", afirma.
Vladimir Maciel, da Universidade Mackenzie, concorda que a UE pode ter se aproveitado da situação para erguer uma barreira comercial não tarifária. "A saúde pública é o mote, mas na verdade você tem uma proteção do produtor local", diz.
Por iniciativa de Blairo Maggi, o caso deve ir parar na Organização Mundial do Comércio (OMC), onde pode levar cerca de um ano para ser resolvido. Até lá, Maciel prevê que frango brasileiro não vai perder outros mercados, como os de Oriente Médio, África e Ásia – os dois primeiros não têm como estruturar produção própria atualmente e o terceiro tem uma demanda muito alta.
Ainda assim, o economista avalia que o produtor brasileiro deve se organizar para demonstrar aos importadores que está trabalhando para manter o padrão sanitário. "Estamos abertos a qualquer tipo de compromisso que traga melhoria e segurança para o nosso cliente, mas não vamos jogar dinheiro fora", diz Santin, da ABPA, destacando que há uma busca frequente pelo chamado padrão salmonela zero.
Para a entidade, a esperança de retomar a fatia europeia do mercado está na OMC. "O painel da OMC possibilita que haja um acordo, e temos muita esperança de que a Europa faça uma revisão ou aceite alguma negociação para resolver esse problema, porque a nossa parceria com a Europa é muito positiva", afirma.
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