Falta de lei antiterror pode gerar sanções ao Brasil
19 de janeiro de 2015O Brasil pode sofrer sanções internacionais por não ter uma lei contra o financiamento do terrorismo, afirma o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), Antônio Gustavo Rodrigues. O órgão, ligado ao Ministério da Fazenda, tem como responsabilidade prevenir a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo, através de inteligência financeira.
"Em 2005, nós assinamos e ratificamos uma convenção das Nações Unidas sobre o tema. Ela exige que os países aprovem legislações tipificando o crime de financiamento do terrorismo", explica Rodrigues.
Segundo ele, o país pode, em última instância, entrar para uma espécie de "lista negra" do Gafi - organismo internacional contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo – ou ser expulso do grupo.
"Seria um constrangimento diplomático. Faríamos parte de um grupo de países com deficiências na área. Os sistemas financeiros teriam que ter uma atenção maior com as transações financeiras do Brasil, o que significa mais custos e limitações", diz Rodrigues.
Em casos extremos, alerta, bancos brasileiros podem ter dificuldades para atuar em outros mercados. Rodrigues aponta também que o Brasil avançou muito no combate à lavagem de dinheiro, mas que o mesmo não ocorreu em relação ao financiamento do terrorismo.
"Além disso, a falta de uma lei pode prejudicar uma eventual cooperação jurídica com outros países. Por exemplo, não poderíamos extraditar uma pessoa que financie terroristas, porque não há um equivalente penal no Brasil", afirma. Pelos mesmos motivos, tampouco seria possível processar um brasileiro em território nacional.
Crimes simultâneos
Rodrigues ressalta, entretanto, que muitas vezes a conduta está associada a outros crimes, já previstos na legislação brasileira. "Os casos encontrados, que podiam que ter relação com financiamento de terrorismo, tinham outro delito ocorrendo ao mesmo tempo, como sonegação fiscal. Então às vezes há uma forma de punir por outras vias", diz.
A dificuldade não é, segundo Rodrigues, punir o financiamento de um ato terrorista em si, como um atentado a bomba. "Se a pessoa facilita um crime, ela já é parte dele. O financiamento do terrorismo é uma ideia mais sutil. Inclui, por exemplo, pagar um almoço para um terrorista". O objetivo seria tirar todas as fontes de recursos dessas organizações.
No Brasil, o presidente do COAF afirma que já houve "a comunicação de operação suspeita" para os órgãos responsáveis pela investigação. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) admite que há uma "preocupação com o financiamento do terrorismo" no país, mas não informa se há casos confirmados.
A tríplice fronteira, com a Argentina e o Paraguai, foi apontada pelo governo americano como uma região crítica, que concentra tráfico de armas e pessoas, narcotráfico, contrabando, falsificação e lavagem de dinheiro. Todas elas são atividades ilícitas que poderiam ser usadas como fonte de recursos por organizações terroristas.
"O Brasil é pouco propenso a ser alvo de terroristas, mas o que nos torna vulneráveis são essas redes transnacionais do crime. É um problema que não tem fronteira. Então, se aqui a lei é branda, os criminosos transferem o seu negócio para cá", afirma Leandro Piquet Carneiro, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP.
Projetos de lei polêmicos
Já há projetos de lei que estabelecem o crime de financiamento do terrorismo, como o PL 236/2012, conhecido como Novo Código Penal, e o PLS 499/2013, ambas em tramitação no Senado.
Entretanto, os projetos são extremamente polêmicos, porque tentam estabelecer também o crime de terrorismo. Atualmente não existe uma definição consensual e clara do fenômeno, nem mesmo no âmbito das Nações Unidas.
Com descrições bastante vagas, os projetos de lei foram acusados de criminalizar movimentos sociais. Por isso, para o presidente do COAF, é preferível desvincular a questão do financiamento da tipificação do terrorismo, em leis separadas.
"Há meios técnicos de se fazer isso. É preciso ter muito cuidado com essas leis, pois há um risco enorme de incluir manifestações legítimas como terrorismo", alerta.