1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Mais de mil escolas ocupadas contra reforma no ensino médio

Mariana Franco Ramos
25 de outubro de 2016

Morte de adolescente no Paraná acirra ânimos entre governo e manifestantes. Estado concentra 90% das escolas ocupadas pelos jovens para protestar contra a reforma curricular e a PEC 241.

https://p.dw.com/p/2RglQ
Brasilien Proteste von Studenten in Parana
Foto: DW/M.-F. Ramos

A morte de um adolescente de 16 anos nesta segunda-feira (24/10), em Curitiba, é mais um ingrediente no caldeirão de pressões enfrentadas pelos estudantes da chamada "primavera secundarista". O movimento, que já ocupa 1.072 escolas no Brasil, sendo 90% delas no Paraná, surgiu no início de outubro, após o governo do presidente Michel Temer apresentar uma proposta de reforma do ensino médio via medida provisória, com flexibilização de currículo. A ocupação das escolas se intensificou nos últimos dias, quando também se fortaleceram grupos contrários ao protesto.

A morte gerou comoção em alunos, professores, familiares e representantes das várias esferas do governo estadual. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública, o jovem foi esfaqueado por um colega após ambos terem usado drogas sintéticas e se desentendido. Eles seriam alunos do Colégio Santa Felicidade, um dos 847 ocupados no estado, conforme a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes). Depois do episódio, os demais estudantes deixaram as dependências da escola.

O governador Beto Richa emitiu nota responsabilizando os manifestantes. "Peço que os estudantes encerrem esse movimento. A ocupação de escolas no Paraná ultrapassou os limites do bom senso e não encontra amparo na razão, pois o diálogo sobre a reforma do ensino médio está aberto."

A União Nacional dos Estudantes (UNE), a Ubes e a Associação Nacional dos Pós-graduandos (ANPG) divulgaram um posicionamento conjunto, destacando que as ocupações são pacíficas e abertas ao diálogo. "Sobre a fatalidade de Curitiba em especial, acompanhamos as investigações e vamos exigir das autoridades competentes toda a atenção e cuidado para que o esclarecimento desse caso seja feito com urgência. As entidades lamentam, ainda, a tentativa de utilizar tal acontecimento trágico como forma de criminalização dos movimentos sociais."

Colégio Santa Felicidade
Adolescente morreu num banheiro do Colégio Santa Felicidade, em CuritibaFoto: DW/M.-F. Ramos

Ocupação de escolas

Esta não é a primeira vez que secundaristas ocupam escolas como forma de protesto. Em 2015, alunos de São Paulo se mobilizaram contra o projeto de reorganização escolar do governo Geraldo Alckmin, que previa o fechamento de 93 unidades e transferência de mais de 300 mil estudantes para outras instituições. A ação, que na época atingiu cerca de 200 colégios, derrubou o secretário da Educação e levou Alckmin a revogar o decreto. O movimento também acabou se estendendo para outros estados, como o Rio de Janeiro, onde quase 70 escolas foram ocupadas entre março e junho.

Segundo balanço da Ubes, das 1.072 instituições de ensino ocupadas no Brasil, 995 são escolas e institutos federais, 73 são universidades e três são núcleos regionais de educação. Há ações em pelo menos 21 estados e no Distrito Federal. Além da reforma no ensino médio, os alunos se voltam contra a proposta de emenda constitucional (PEC) 241, que congela investimentos públicos pelos próximos 20 anos, podendo afetar as áreas de saúde e educação.

Atos de repúdio às medidas têm acontecido em várias cidades brasileiras. Nesta segunda-feira houve passeatas em Vitória, João Pessoa, Rio de Janeiro, Brasília, Cuiabá e Porto Velho. Já em São Paulo, um protesto está previsto para esta terça-feira.

"Desocupa" ganha força

Capitaneado principalmente pelo Movimento Brasil Livre (MBL), que se notabilizou por encabeçar as manifestações a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o esforço contrário às ocupações também ganhou força nas últimas semanas. No Paraná, integrantes do MBL, acompanhados de alguns pais e professores, chegaram a se reunir com o governador para pedir apoio.

Segundo relatos de participantes das ocupações, o grupo contrário tenta "retomar" escolas na periferia de Curitiba. Em uma delas, a Guido Arzua, no bairro Sítio Cercado, os integrantes do "Desocupa" conseguiram entrar no colégio nesta segunda-feira, com auxílio de docentes contrários às reivindicações dos estudantes.

Enem e eleições

O Ministério da Educação (MEC) anunciou que pode adiar o Enem em 181 escolas, sendo 145 no Paraná, caso o movimento continue até 31 de outubro. De acordo com o MEC, 95 mil dos 8,6 milhões de inscritos seriam prejudicados. As provas estão marcadas para os dias 5 e 6 de novembro.

A "primavera secundarista" acontece em meio às eleições municipais no Brasil, que sempre utilizam a estrutura das escolas. Em virtude do movimento, a Justiça Eleitoral alterou 205 locais de votação no Paraná. As mudanças atingem 700 mil eleitores das cidades de Curitiba, Ponta Grossa e Maringá, onde haverá segundo turno em 30 de outubro. A adequação deve provocar um custo adicional de R$ 3 milhões para os pleitos, que tinham previsão de gastar R$ 22,2 milhões.

Para a presidente da Ubes, Camila Lanes, o movimento é uma forma de responder às iniciativas do governo federal. "Ele [Temer] quer colocar uma MP para resolver todos os problemas da educação pública do país, o que não é possível. Estamos apoiando e nos solidarizando politicamente, com estrutura, para que essa medida seja retirada de pauta." A entidade garante que as ações são pacíficas. Os estudantes se organizam, votam em assembleias e se dividem em grupos de trabalho para fazer a limpeza dentro das instituições.

Assim como há um ano, quando protestaram contra a reorganização escolar, os jovens reclamam da falta de diálogo por parte do governo. O MEC, por outro lado, argumenta que as propostas são fruto de um amplo debate acumulado nas últimas décadas. "Entre as principais mudanças está a possibilidade de o aluno escolher a área em que vai querer atuar profissionalmente, como acontece nos principais países do mundo." Ainda conforme a pasta, "trata-se de uma mudança fundamental, que deixará o currículo flexível e articulado com o ensino técnico-profissionalizante e a qualificação".