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Brasil em Cancún

26 de novembro de 2010

As expectativas da comunidade internacional para o encontro de Cancún são baixas, mas o Brasil chega otimista: país se vê como participante que não só promete, mas que já fez muito.

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Cancún recebe 16º conferência do clima das Nações Unidas

Há um ano, a mensagem era mais dura: a UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) dizia que o debate em Copenhague era a grande chance de salvar o planeta de um futuro caos climático. Yvo de Boer, então secretário-executivo do órgão, falava grosso com os países industrializados: pedia comprometimento e vontade política para transformar o encontro no ponto em que iria "se parar de falar em tomar atitude e começar a agir".

Daquela atmosfera de euforia que rondava a COP 15 pouco restou para a próxima conferência, que começa na segunda-feira (29/11) em Cancún, no México. O desfecho em Copenhague foi o fracasso das negociações, De Boer e seu discurso firme se foram.

A impressão coletiva é que o calor e as praias de Cancún não vão amenizar a posição recuada dos líderes mundiais para fechar um acordo efetivo. Desta vez, o tom da costarriquenha Christiana Figueres, atual secretária-executiva da UNFCCC, é mais suave que o de seu predecessor: "Cancún será um sucesso se as partes se comprometerem. (...) E eu não vou subestimar os degraus políticos que precisam ser construídos."

O Brasil, no entanto, chega para a próxima conferência demonstrando entusiasmo. Num jogo em que tantas peças se movem ao mesmo tempo, a representação brasileira aposta no avanço gradual em todas as áreas: mitigação, adaptação, financiamento e tecnologia.

"Chegamos a Cancún com uma posição de quem está fazendo muito e exige que os outros também façam. Um país que não está fazendo nada, ou fazendo pouco, fica condescendente com as limitações do outro. Nós não estamos só prometendo para o futuro, mas chegamos com muito já realizado", disse em entrevista à Deutsche Welle a secretária de Mudanças Climáticas, Branca Bastos.

Números na mesa

Há de fato razões para o Brasil chegar de cabeça erguida diante dos demais participantes. O mundo se admirou quando, voluntariamente, ao final de Copenhague, Lula comunicou a meta voluntária de redução de emissões de carbono até 2020 por meio de cinco ações: controle do desmatamento na Amazônia e no Cerrado, siderurgia, energia e agricultura.

No fim de outubro último, Lula anunciou que a meta de redução de 80% do desmatamento na Amazônia será alcançada já em 2016, com quatro anos de antecedência. Mas há confiança de que a redução de até 38,9% das emissões brasileiras, como anunciado na COP 15, acontecerá nas demais áreas diante do boom econômico brasileiro?

"Tem muita coisa para ser feita no Brasil e a gente vai fazer. O desafio é mudar a mentalidade e pensar sempre sob uma perspectiva de que nós vamos implantar primeiro as ações que possam significar um desenvolvimento de baixo carbono. Não estamos pensando em criar uma restrição ao desenvolvimento, mas criar novas oportunidades de desenvolvimento que sejam de baixo carbono, sem sacrifício da população, sem sacrifício do desenvolvimento", declarou Branca Bastos, cuja secretaria é ligada ao Ministério do Meio Ambiente.

Dawid Bartelt, diretor do escritório brasileiro da Fundação alemã Heinrich Böll, não tem a mesma confiança: "Até que ponto o Brasil vai conseguir alcançar essas metas é uma outra questão, dado que o próximo governo dará continuidade a uma política que tem pouco comprometimento com a área ambiental".

Bartelt vê com temor o avanço do setor agrícola, como as lavouras de soja e cana-de-açúcar, que podem invadir ainda mais as áreas de floresta e cerrado. "Isso não vai acontecer de jeito nenhum", garante a secretária de Mudanças Climáticas. "Ninguém é louco de fazer isso, ainda mais com o etanol brasileiro podendo conquistar o mercado internacional. Todos sabem que existem barreiras não comerciais. O setor está consciente e quer produzir um etanol ainda mais sustentável", rebateu.

Contabilidade das emissões

Depois de um vácuo de anos, o governo brasileiro apresentou no final de outubro o segundo inventário das emissões nacionais. O relatório mostra que a emissão dos gases do efeito estufa aumentou 60% entre 1990 e 2005, passando de 1,4 gigatoneladas para 2,192 gigatoneladas.

O desmatamento continua sendo a principal fonte de gases: 61% do total de emissões. A agricultura aparece em seguida, com 19%, e o setor de energia é responsável por outros 15%. O inventário anterior trazia os dados de 1990 a 1994.

Segundo a estimativa para o ano de 2009, o Brasil teria emitido 1,775 gigatoneladas de CO2 equivalente, 33% menos que em 2005. A redução do desmatamento na Amazônia nos últimos anos teria provocado a queda nas emissões.

Nem tudo é dinheiro

Estados Unidos e China deverão permanecer como epicentro de resistência às políticas climáticas. "Por outro lado, a União Europeia, liderada pela Alemanha, está mais preparada para alcançar as metas", observa Bartelt, que acompanhará a reunião em Cancún.

Sobre os mecanismos que prevêm dinheiro de países ricos em troca da preservação nos países pobres, o diretor da fundação alemã no Brasil é crítico: "Não acho que o mercado traga a solução para tudo. Temos que tomar muito cuidado e considerar que os bens comuns, como a floresta e o ar, são coisas que merecem muito mais atenção, que não podem ser contabilizadas para serem preservadas. Eu acho que eles têm que ser preservados porque são bens comuns."

A secretária de Mudanças Climáticas tem outra visão. "É claro que a remuneração por serviços ambientais, pela biodiversidade, é justificável. Para se manter uma floresta em pé é preciso valorizar a floresta em pé. E para isso é preciso valorizar todos os seus serviços ambientais, todo o seu valor de fato", afirma Branca Bastos.

Esse debate deve evoluir em Cancún. Mas o quanto terá que ser pago por cada serviço gratuito que a natureza presta à humanidade, e se isso de fato acontecerá, é algo a ser decidido a longo prazo.

Autora: Nádia Pontes
Revisão: Alexandre Schossler