Brasileiras presas em Frankfurt pedirão indenização maior
6 de março de 2024As brasileiras Jeanne Paollini e Kátyna Baía, que foram mantidas presas na Alemanha por 38 dias no ano passado após terem suas bagagens trocadas por malas com cocaína, tiveram o direito de serem indenizadas reconhecido pela Justiça alemã e pedirão uma compensação maior do que o piso estipulado em lei no país europeu.
A norma alemã prevê uma indenização mínima de 75 euros por dia para pessoas presas de forma injusta. Na cotação desta quarta-feira (06/03), o valor total equivaleria a cerca de R$ 15 mil para cada uma. Ambas foram declaradas inocentes pela Justiça alemã em dezembro.
A advogada que representa a dupla na Alemanha, Chayane Kuss de Souza, afirmou à DW que o valor é inferior ao dado material e moral enfrentado pelas brasileiras, mantidas detidas em Frankfurt de 6 de março a 11 de abril de 2023.
Kuss de Souza disse que as ações da polícia e da Justiça alemã no caso foram marcadas por erros. E que, além do dano moral de serem presas injustamente e, no caso de Kátyna, não ter recebido na prisão os medicamentos que necessitava, pedirá que o Estado alemão as indenize pelo custo da viagem perdida, dos celulares apreendidos, do gasto com advogados e psicólogos e do dinheiro que deixaram de ganhar no trabalho em função do episódio.
A decisão que reconheceu o direito de elas serem indenizadas, notificada no dia 29 de fevereiro, foi "muito gratificante", afirma a advogada. "Sabemos que elas são inocentes, mas ler um documento oficial afirmando que o governo alemão tem a obrigação de indenizá-las é o primeiro passo para se fazer Justiça." Agora será iniciada a fase do processo na qual será estipulada o valor total da compensação.
Diversos detalhes do caso seguem sem respostas, como qual é o braço da organização criminosa na Alemanha que receberia a droga e por que no momento da apreensão não foi verificado quem estaria esperando as malas com cocaína caso elas tivessem chegado à area de retirada de bagagens.
Um caso semelhante ocorreu em novembro passado na Turquia, quando um casal líbio-brasileiro foi preso por suspeita de tráfico de cocaína. Kuss de Souza afirma que ela seria arrolada como testemunha no caso, mas decidiu por enviar um relatório à Justiça turca detalhando os elementos do processo ocorrido na Alemanha.
Depois do caso ocorrido em Frankfurt, uma operação da Polícia Federal brasileira deteve suspeitos de atuar em uma quadrilha responsável por trocar etiquetas de bagagem para o tráfico de drogas, e o governo federal lançou um programa para endurecer a segurança das áreas de aeroportos que lidam com o despache de malas em viagens internacionais.
Leia abaixo trechos da entrevista com a advogada do casal:
DW: Por que suas clientes decidiram pedir indenização ao Estado alemão?
Chayane Kuss de Souza: Porque elas foram presas injustamente, e vítimas de uma prisão têm direito de serem indenizadas e reparadas. Elas viajaram para comemorar que a Jeanne havia terminado seu mestrado, e todo o valor investido na viagem foi perdido. Além disso, é devida indenização pela forma como se deu a prisão e o procedimento investigativo. Entendemos a necessidade da polícia em investigá-las como principais suspeitas, porém os direitos humanos básicos não foram observados. Elas não falam alemão, e um tradutor só foi providenciado horas depois da prisão das mesmas. Elas relatam que foram algemadas pelas mãos e pelos pés, mesmo que em nenhum momento tenham apresentado algum tipo de risco, ameaça ou resistência. Esses acontecimentos geraram um dano moral irreparável, que no entanto deve ser indenizado.
Há uma lei na Alemanha que define que em todas os casos em que qualquer pessoa sofra danos e prejuízos decorrentes de ações policiais e judiciais posteriormente anuladas ou atenuadas caberá indenização. Primeiramente a Justiça verifica se há a responsabilidade do Estado em indenizar – e isso já foi decidido. A lei determina o pagamento de 75 euros por dia, mas se as vítimas considerarem o valor baixo, é possível discutir os valores na segunda fase do processo. Entendemos que a indenização deve ir muito além desse valor.
Elas pedirão indenização por quais danos materiais e imateriais?
Além do dano moral, pelo custo da viagem, celulares que foram apreendidos e elas tiveram que comprar novos, lucros cessantes, gastos com profissionais como advogado e psicólogo, dentre outros.
A Kátyna já sofreu um aneurisma e precisava tomar um medicamento específico. Liguei e peticionei várias vezes ao presídio, juntei atestado e abordei o tema dos medicamentos na audiência de custódia, contudo forneceram a ela somente um remédio que já tinham disponível na prisão e que não era compatível com o que ela deveria utilizar. A saúde da Kátyna foi extremamente agredida e o caso dela foi flagrantemente ignorado. Vamos pedir indenização em decorrência dessa ilegalidade também.
O Ministério Público e a Polícia se manifestaram na ação de indenização?
Não, e esta é uma crítica que temos em temos gerais. Não somos comunicados de nada, não sabemos quais procedimentos investigativos ainda estão sendo providenciados ou se sequer existe algum suspeito.
Alguém provavelmente iria pegar as malas [com cocaína] no aeroporto, que é um ambiente seguro, cheio de câmeras. Acreditamos que se o caso tivesse recebido melhor atenção, os verdadeiros criminosos não teriam escapado tão facilmente enquanto duas inocentes eram presas.
Inclusive elas foram mantidas presas mesmo após o consulado [brasileiro], amigos e familiares terem se mobilizado para oferecer endereço fixo e caução.
Como receberam a decisão que atesta o direito de elas serem indenizadas?
Foi muito gratificante. Sabemos que elas são inocentes, mas ler um documento oficial afirmando que o governo alemão tem a obrigação de indenizá-las é o primeiro passo para se fazer Justiça.
Você considera que houve falhas do governo e da Justiça da Alemanha nesse caso?
Com certeza, considerando a forma como elas foram tratadas mesmo depois de termos apresentado excelentes provas, relatórios da Polícia Federal brasileira com assinatura digital, que poderiam inclusive ter a veracidade facilmente verificada pela internet. Fato foi que o Ministério Público alemão não as aceitou, alegando que deveriam receber as provas por "via oficial", talvez sob desconfiança de que teriam sido manipuladas. Pensamos que a Polícia Federal alemã e o Ministério Público alemão tinham condições de verificar a veracidade das provas e não deveriam simplesmente desclassificá-las sem sequer analisá-las.
Acionamos o Ministério da Justiça brasileiro, que enviou um pen-drive com todos os vídeos e demais provas através de um piloto da Lufthansa. Este material foi entregue para a autoridade alemã responsável, e a polícia alemã e o Ministério Publico alemão então analisaram as imagens e decidiram liberta-las da prisão.