Vítimas do contraceptivo Essure exigem indenização da Bayer
2 de agosto de 2021Nos últimos quatro anos, Mônica tem se dedicado a reunir histórias como a dela. São experiências de mulheres de todo o Brasil que tiveram suas vidas alteradas e acumulam traumas depois do implante do dispositivo Essure, da Bayer, para evitar uma gravidez.
Mulheres que aderiram a esse método contraceptivo, tido como indolor e revolucionário, relatam ruptura, deslocamento e expulsão do dispositivo, além de perfuração, gravidez fora do útero, dores, sangramentos, alergias, desmaios e danos à saúde mental, como ansiedade, depressão e pensamentos suicidas.
As trocas de depoimentos numa página na internet criada por Mônica em 2017 ajudaram a agrupar mulheres, que agora buscam reparação. Em busca de um acordo extrajudicial, 334 brasileiras pedem à fabricante uma indenização de 30 milhões de euros, o equivalente a 184 milhões de reais.
"Não vai ter dinheiro que ressarça tudo o que a gente passou e está passando. Mas a gente tem direito pelo menos de ter uma tranquilidade para poder se cuidar, para poder se tratar", diz Mônica sobre o pedido de indenização. "A Bayer tem que pagar", adiciona.
Da busca por esterilização ao calvário
O Essure foi lançado pela Bayer em 2002 e logo começou a ser implantado na Europa e nos Estados Unidos com as aprovações das respectivas agências reguladoras. Esse método de esterilização definitiva encontrou apelo por não exigir cirurgia e poder ser feito em ambulatório.
O dispositivo implantado tem cerca de quatro centímetros de comprimento e espessura de um fio de cabelo, feito de molas de níquel-titânio, aço inoxidável, fibras de tereftalato de polietileno (PET), platina, prata e estanho. Ele é inserido pelo canal vaginal até o interior das trompas de Falópio, que transportam os óvulos dos ovários para o útero. O objeto estimularia a formação de tecidos no local, que criam uma barreira que impede os espermatozoides de chegarem aos óvulos.
No Brasil, a Anvisa concedeu o registro ao Essure em 2009. Segundo o Ministério da Saúde, a tecnologia não foi incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS), mas adquirida por alguns estados e disponibilizada em hospitais públicos.
Mônica recebeu o implante em São Paulo, em 2015, depois de ter quatro filhos. Meses depois, passou a sentir dores fortes na cabeça, pélvis, lombar e pernas, além de ter queda de cabelo e manchas pelo corpo e sofrer de depressão.
Quando soube que a Anvisa estava revisando a autorização do produto no Brasil, em 2017, ela ficou em alerta. Sem o apoio dos médicos que acompanhavam o seu caso, Mônica peregrinou atrás de informações na internet e contou com apoio online de profissionais estrangeiros. Foi quando encontrou inúmeras mulheres nos Estados Unidos que estavam vivenciando o mesmo drama.
"Eu descobri que a única forma de eu me livrar desse dispositivo que tinha contaminado meu corpo com níquel era através da histerectomia [cirurgia de remoção do útero]", detalha Mônica, que passou pelo processo em 2017.
Aos 43 anos, ela convive com uma fibromialgia e ajuda outras mulheres com informações. "Eu só não queria mais ter filhos. E de repente eu desgracei minha vida", diz sobre a experiência.
Busca por reparação
A mobilização de brasileiras na internet se transformou num caso de Justiça. O escritório internacional de advocacia PGMBM - que move processos semelhantes com vítimas da Holanda e Reino Unido - e o alemão Manner estão à frente do caso e pedem indenização pelos danos provocados pelo dispositivo da Bayer.
Nos Estados Unidos, a fabricante concordou em pagar 1,6 bilhão de dólares no fim do ano passado em indenizações para extinguir 90% dos processos movidos por mais de 39 mil mulheres.
Segundo o acompanhamento feito pela FDA, agência reguladora dos EUA, que recebeu quase 64 mil reclamações de pacientes de 2002 a 2020, os principais efeitos colaterais reportados foram dores, irregularidades menstruais e fluxo mais intenso, fragmento de dispositivo na paciente, perfuração, dor de cabeça, fadiga, flutuações de peso, depressão.
Entre as brasileiras, os prontuários médicos aos quais os advogados tiveram acesso listam, entre outros, a movimentação do dispositivo pelo corpo com pedaços distribuídos pelas trompas. "Muitas vezes, as mulheres precisam passar por duas cirurgias, para fazer retirada das trompas e do útero", detalha Bruna Ficklscherer, advogada do PGMBM.
A empresa tem até o dia 6 de agosto para se manifestar sobre o acordo. Caso a Bayer não se posicione até o prazo, os advogados dizem que irão aos tribunais na Alemanha.
O que a Bayer diz
Procurada, a Bayer respondeu, por meio de nota, que se solidariza com "todos que possam ter tido algum problema de saúde" ao usar qualquer um dos produtos dos produtos da fabricante. "A empresa confia no conjunto de evidências científicas do Essure e pretende se defender no tribunal, caso haja ações judiciais", afirma.
Embora tenha suspendido as vendas do produto, a Bayer defendeu a segurança e eficácia do Essure, e disse se apoiar em resultados de ensaios clínicos, estudos da própria empresa e de pesquisadores independentes que chegaram a envolver mais de 270 mil mulheres.
No Brasil, não há um número oficial de pacientes que receberam o implante. Segundo o PGMBM, a estimativa é de 8 mil mulheres.
Em 2017, após diversas reclamações, a Anvisa caçou o registro do produto no país, detido pela COMMED, mas, no fim do ano seguinte, a agência voltou a liberar o seu uso. Naquele mesmo ano, 2018, a própria Bayer pediu o cancelamento do registro na sequência.
Ressentimento das pacientes
Rosa, hoje com 34 anos, ainda se recupera do impacto da retirada do útero, feita em abril de 2020. Antes disso, a cirurgia para remoção do Essure por meio do corte das trompas havia falhado.
"Depois de cortar as trompas, parte do dispositivo caiu e aderiu à parede do útero e não tem como tirar. Tive que tirar o útero", conta à DW a mãe de um menino de seis anos.
Até encontrar Mônica na internet, Rosa sofreu sozinha, foi ridicularizada por médicos, passou horas no hospital à espera de exames e perdeu o emprego.
"Eu estava bem, trabalhava, era ativa. Depois do implante, comecei a ficar doente, perdi meu emprego. Sinto que tiraram tudo o que conquistei", relata Rosa, que era promotora de vendas e precisou de apoio psicológico.
Ela reclama da falta de apoio e de informações por parte dos órgãos de saúde. A maior parte das mulheres afetadas, pontua, tem baixa escolaridade e vive em situação de vulnerabilidade.
"O maior ressentimento das vítimas é que a Bayer nunca se posicionou publicamente, nunca fez um recall, não reconheceu o problema. Nunca ofereceu nenhuma reparação. Quando a gente sofre uma injustiça, a primeira coisa que a gente quer é uma retratação. Nunca procuraram saber quem são essas mulheres aqui no Brasil", critica.