Bucha, na Ucrânia, enterra seus mortos não identificados
12 de agosto de 2022Cobertos por mantos, 11 caixões alinhados aguardavam para serem sepultados nesta quinta-feira (11/08) em covas recém cavadas no cemitério de Bucha. Dentro deles, corpos de 11 desconhecidos, mortos em março durante a ocupação russa da cidade ucraniana próxima à capital, Kiev.
Quase todos eles - nove homens e duas mulheres - haviam sido primeiramente enterrados pelos moradores de Bucha em valas comuns, quando a intensidade dos combates não deixou outra alternativa. Após a saída das tropas invasoras da região, outro corpo foi encontrado não muito longe dos demais.
Mais de quatro meses se passaram desde 2 de abril de 2022, quando uma equipe de jornalistas da agência de notícias AFP descobriu os corpos de 20 civis mortos em Bucha, naquele que foi o primeiro indício de um massacre na cidade ucraniana que virou símbolo do terror da guerra no país. Nesta semana, autoridades locais começaram a enterrar os mortos que ninguém reclama: na terça-feira, 14 corpos foram sepultados e, na quinta, mais 11.
E esse é apenas o começo. Outras três cerimônias estão previstas, informou Myjailyna Skoryk-Shkarivska, assistente do prefeito de Bucha. Cerca de 50 pessoas, entre os 458 civis mortos durante a ocupação russa da cidade, ainda não foram identificadas.
"Nosso objetivo é encontrar os parentes de cada uma dessas pessoas não identificadas", disse. Para isso, foram extraídas amostras de DNA, com a ajuda de militares franceses. Todas as informações que possam ajudar a identificar as vítimas são publicadas no Facebook, na esperança de que alguém as reconheça.
O procedimento segue protocolos rígidos. Entre as 11 pessoas enterradas nesta quinta-feira, dois homens portavam documentos de identidade. Apesar da divulgação na internet, não houve nenhuma reivindicação dos corpos.
"Para que sejam identificados formalmente, algum parente precisa ver os corpos e reconhecê-los", explica Skoryk-Chkarivska, acrescentando que a maioria das vítimas tinha ferimentos por bala na cabeça e no peito.
"Todas as pessoas que foram baleadas e exumadas de uma vala comum têm marcas de tortura", afirmou.
Cruzes com dados para identificação futura
Minutos antes da chegada dos corpos, depositados às pressas em um caminhão frigorífico, vários funcionários de cemitérios municipais vizinhos vieram como reforços para cravar 11 cruzes ortodoxas no solo. Em cada uma delas, está uma pequena placa acompanhada de um número que servirá para localizar o corpo caso, por meio do teste de DNA, apareça algum parente.
"Para nós, é importante que essas pessoas sejam enterradas com dignidade, como seres humanos, e não como corpos inertes", disse à AFP o padre Andrii Golovin.
Um 12° caixão quase se somou aos outros 11 enterrados como desconhecidos na quinta-feira. Nos últimos momentos, porém, o corpo de Oleksandre Jmaruk, um ex-militar ucraniano de 37 anos desaparecido desde meados de março, foi identificado. O resultado do exame de DNA não chegou a tempo, mas a família o reconheceu graças a uma fotografia divulgada pelo aplicativo de mensagens Viber.
Seus pais deixaram a cidade pouco antes da ocupação russa e procuravam o filho desde então. Tudo o que sabiam era que Oleksandre havia sido detido pelos russos. No edifício em que ele morava, as portas dos apartamentos onde viviam soldados e ex-soldados ucranianos foram arrombadas.
"Eles [os soldados russos] o prenderam em sua casa. E o mataram perto do mercado", diz Vasyl, pai de Oleksandre, com a voz embargada, enquanto pressiona contra o peito um retrato do filho.
Oleksandre Jmaruk será enterrado em outra área do cemitério, entre muitas outras sepulturas cuja data de morte indica aproximadamente março de 2022.
le/lf (Reuters, AFP)