Campeonato dos recordes
31 de julho de 2007Estádios lotados, hinos cantados em uníssono, clima de festa e cerveja – tradicionalmente os torcedores alemães olham com admiração para o campeonato inglês de futebol. Mas muito mudou no país visto como modelo: é verdade que na Premier League ainda se joga o futebol mais atrativo do continente, mas a legendária cultura futebolística inglesa está definhando: um após o outro, os clubes estão sendo comprados por investidores.
Os lugares em pé foram eliminados dos estádios, os preços dos ingressos explodiram, o público clássico foi substituído pelos bem-afortunados. O álcool foi proibido, o ambiente nas arquibancadas é, muitas vezes, morno, o número de espectadores está em queda. Com tudo isso, o jornal inglês Guardian encontrou um novo modelo para o futebol do país: a Bundesliga, eleita como a "utopia de um torcedor inglês de futebol".
Essa utopia anuncia algo singular: a paixão pelo futebol está mais acesa do que nunca na Alemanha. A duas semanas do apito inicial da próxima temporada, os 18 clubes já haviam vendido mais de 377 mil ingressos – um novo recorde. O anterior era de 2005, quando 372.535 entradas foram comercializadas no mesmo período. Onze dos 18 clubes registraram uma procura maior.
A Bundesliga também bateu o recorde de dinheiro movimentado em contratações, que pertencia à temporada 2001/02. Impulsionados por um lucrativo contrato com a televisão, os clubes investiram 153 milhões de euros em novos jogadores à época. Na atual temporada, antes mesmo do prazo limite de 31 de agosto, o valor já ultrapassou os 165 milhões de euros.
Só o Bayern gastou quase 70 milhões de euros – num único jogador, Ribéry, foram 25 milhões, o maior valor já pago pelo clube. Mas também o Werder Bremen (Carlos Alberto, por 7,8 milhões), o Hannover (Hanke, 4,5 milhões), o Nürnberg (Charisteas, 2,1 milhões), o Stuttgart (Ciprian Marica, 7 milhões) e até o Duisburg (Ishiaku, 1 milhão de euros) quebraram seus recordes de investimento.
Bundesliga lidera
Essa disposição para abrir os cofres não pode ser explicada apenas pela boa conjuntura da economia alemã. O lance decisivo veio do Bayern, com a renovação quase completa de sua equipe após o desastre da temporada passada.
Já o Bremen aplicou os 12 milhões de euros resultantes da venda de Klose numa nova dupla de atacantes, formada por Boubacar Sanogo e Carlos Alberto. O Stuttgart teve que ampliar seu time por causa da disputa da Liga dos Campeões e o Nürnberg fez o mesmo devido à Copa da Uefa. No Wolfsburg, Felix Magath foi o responsável por renovar a foto oficial da equipe.
Até no caso do Wolfsburg, um clube sempre aquém de suas pretensões, é possível perceber um surpreendente clima positivo. Mesmo para um clube patrocinado pela Volkswagen, a venda antecipada de 10 mil pacotes para toda a temporada é recorde.
A fanática torcida do Borussia Dortmund comprou inacreditáveis 50 mil pacotes, o Schalke vendeu 44 mil e o Bayern, 37 mil. Já o Eintracht Frankfurt estabeleceu um novo recorde sem investir um euro em novas contratações – o bom momento não pode, portanto, ser explicado apenas pelas novas estrelas.
Na Europa, a Bundesliga lidera sem contestações na média de público presente aos estádios. Na temporada passada, a média alemã foi de 39.957 torcedores por jogo. Na Premier League, foram 32 mil e na Itália, 21 mil espectadores, em ambos os casos menos do que nas temporadas anteriores.
E isso apesar de os jogadores de primeiríssimo nível não atuarem na Alemanha, mas em Londres, Milão ou Madri. Há anos que as equipes da Bundesliga não oferecem concorrência aos times de ponta da Europa em torneios como a Liga dos Campeões.
Paraíso perdido
Qual seria o segredo do futebol alemão? Para o presidente da Liga Alemã de Futebol (DFL), Wolfgang Holzhäuser, a atual atratividade se deve aos bons estádios e é uma tardia conseqüência do "boom da Copa". A explicação dos ingleses talvez seja um pouco melhor. Lá, a Bundesliga é vista como o paraíso perdido.
No final da temporada passada, a emissora britânica BBC se referiu ao Campeonato Alemão em termos que nem mesmo a DFL escolheria. Na Alemanha, o jogo ainda não teria sido seqüestrado nem pelos interesses econômicos nem pelos hooligans, podia-se ler no site da empresa britânica. "O jogo ainda pertence aos torcedores – esse deve ser o segredo."
E mesmo que esse torcedor às vezes olhe com um pouco de inveja para os jogos que são disputados na Grã-Bretanha, o fato é que quem vai a uma partida de futebol procura coisas bem específicas. E isso a Bundesliga tem a oferecer, como opina o jornal Guardian: "Uma corrida maluca pelo título, ingressos baratos, salsichas, estádios fantásticos e muitos gols."