Cabul ainda existe
7 de julho de 2003Com os atentados de 11 de setembro empurrados para o canto da memória e o recente conflito no Iraque, que deixou um pós-guerra não exatamente pacífico, Cabul não faz mais parte das manchetes dos grandes jornais. Nem povoa os noticiários de televisão do chamado "primeiro mundo".
No mesmo dia (06/07) em que o primeiro comando da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) desembarcava em Cabul – um mês antes da aliança militar assumir a liderança das tropas de segurança da ONU (ISAF) no país – o presidente Hamid Karzai alertava a comunidade internacional: "não se esqueçam do Afeganistão".
Questão de tempo? -
Desde fevereiro nas mãos da Alemanha e Holanda, as tropas da ISAF deverão passar às mãos da OTAN, que tem pela frente uma tarefa extremamente árdua. Boa parte da população afegã continua vendo a aliança de Karsai com o Ocidente como uma forma de traição. Para o ex-primeiro ministro Gulbuddin Hekmatyar – um dos maiores adversários da presença da comunidade internacional no país e considerado pelos EUA um dos principais mentores do terrorismo – é tudo uma questão da tempo.O futuro das tropas internacionais, segundo Hekmatyar, será o mesmo daquelas soviéticas, que acabaram tendo que abandonar o país em 1986, depois de se proclamarem vitoriosas em um conflito "encerrado" sete anos antes. A premissa não é de todo errada: "a coalizão antiterror, liderada por Washington, confronta-se com problemas semelhantes aos enfrentados pela União Soviética de então, só que em condições ainda piores.
Enquanto Moscou encontrou, após a invasão, estruturas de poder ainda em funcionamento e a resistência à ocupação tenha se formado aos poucos, as tropas estrangeiras precisam hoje agir em um cenário de guerra que já se perpetua por mais de 20 anos", comenta o diário berlinense Der Tagesspiegel.
Warlords superpoderosos -
Fato é que, mesmo com a presença da comunidade internacional, o governo de Karzai mal dá conta de manter Cabul sob controle. O resto do país continua, como antes, nas mãos dos warlords.Para contornar a situação, o governo norte-americano pretende agora formar um número cada vez maior de "equipes de reconstrução das províncias" (PRT - Provincial Reconstruction Teams). Três deles já estão agindo no país, mas sua eficácia é colocada em xeque por analistas internacionais.
"Medida simbólica" -
A falta de definição das tarefas a serem executadas e um engajamento que implica alto risco para os participantes são alguns dos pontos críticos. Hans-Joachim Schmidt, especialista em questões militares da Fundação alemã para Pesquisa sobre Paz e Conflitos, acredita que os chamados PRT são apenas "uma medida simbólica. Os warlords são poderosos demais para se deixarem impressionar por uma coisa dessas", observa Schmidt.No mais, acredita-se que os tentáculos do terrorismo podem até ter se fortalecido após a empreitada cega de Bush contra o que chamou de "eixo do mal". "A Al Qaeda nunca foi uma estrutura hierárquica organizada, com cargos fixos, como o Ocidente imaginou após o 11 de setembro, mas só pode ser entendida como uma ideologia. Uma 'visão de mundo' dividida por um número crescente de homens muçulmanos e jovens", analisa o jornalista britânico Jason Burke, citado pelo diário Frankfurter Rundschau. E isso parece que chefes de governo e estrategistas militares ainda não conseguiram entender: que os caminhos de luta contra esse tipo de terror passam longe de qualquer arma em punho.