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Carlos "Wizard" Martins se cala na CPI da Pandemia

30 de junho de 2021

Apontado como organizador do "gabinete das sombras", empresário bolsonarista usa direito de permanecer em silêncio e se esquiva de dezenas de perguntas. "Os machões da internet ficam caladinhos na CPI", diz senador.

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O empresário bolsonarista Carlos "Wizard" Martins
O empresário bolsonarista Carlos "Wizard" Martins, que compareceu à CPI depois de evitar convocações anterioresFoto: Pedro França/Agência Senado

O empresário bolsonarista Carlos "Wizard" Martins usou nesta quarta-feira (30/06) seu direito de ficar em silêncio para evitar responder às perguntas dos senadores na CPI da Pandemia.

"Respeitosamente, eu me reservo o direito de permanecer em silêncio", repetiu o empresário dezenas de vezes ao longo da sessão, amparado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Ele é apontado como o organizador do "gabinete das sombras", grupo suspeito de influenciar políticas do Ministério da Saúde e de assessorar o presidente Jair Bolsonaro na promoção de tratamentos ineficazes contra a covid-19. O gabinete incluía figuras como a oncologista Nise Yamaguchi e o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), um dos principais ideólogos do negacionismo junto ao Planalto.

O empresário, que liderou no início do ano uma iniciativa controversa para obter vacinas para o setor privado, também teve nesta semana seu nome ligado a um negócio suspeito envolvendo a compra de vacinas pelo governo por meio de uma empresa sediada em Maringá. Ele é um dos 14 nomes investigados pela CPI.

O papel de Wizard

Ao permanecer em silêncio, "Wizard" Martins se tornou alvo de recriminações por parte dos senadores, que exibiram vídeos e mencionaram entrevistas em que o empresário defendeu a cloroquina e falou abertamente sobre seu papel na organização do "gabinete das sombras".

Em julho do ano passado, em entrevista à TV Brasil ao lado de Yamaguchi, Wizard relatou como havia organizado um grupo de médicos em um "conselho científico independente" para divulgar o chamado "tratamento precoce", como os bolsonaristas se referem ao coquetel de drogas ineficazes contra a covid-19.

Em outro momento, senadores da oposição exibiram um vídeo em que o empresário bolsonarista aparece rindo ao falar dos mortos da covid-19. Nas imagens, ele fala que os "óbitos são apenas daqueles que não buscaram o tratamento precoce".

Wizard atuou como conselheiro do então ministro da Saúde Eduardo Pazuello em 2020 e quase foi nomeado para um cargo oficial no ministério, mas a indicação foi retirada após o empresário sofrer críticas por afirmar, sem provas, que o número de mortes por covid-19 no Brasil estava sendo artificialmente inflacionado.

"Logo, logo você vai ver que o Brasil vai ser forrado de medicamentos da fase inicial do tratamento, cloroquina, hidroxicloroquina", disse Carlos Wizard em uma entrevista à revista Istoé Dinheiro em maio de 2020, pouco depois de Pazuello assumir o Ministério da Saúde.

"O senhor tem noção que suas lives de incentivo a hidroxicloroquina, o que isso resultou para essas pessoas? Se arrepende das suas orientações a esse uso?", perguntou a senadora a Eliziane Gama (Cidadania-MA). Martins permaneceu em silêncio.

Eliziane ainda usou a bíblia para recriminar Martins, que se apresenta como "cristão".  "A hipocrisia é algo abominável, é repugnante, é revoltante. E Jesus Cristo colocava isso de forma muito clara", disse a senadora.

Silêncio

Martins só quebrou o silêncio na CPI em três oportunidades. Uma delas ocorreu no início da sessão, quando ele leu uma declaração carregada de tom religioso e negou ter envolvimento em iniciativas paralelas para influenciar o governo.

"Eu afirmo aos senhores com toda a veemência que jamais tomei conhecimento de qualquer governo paralelo e se porventura esse suposto governo, ou melhor, gabinete paralelo, existiu, eu jamais tomei conhecimento", afirmou.

Já na fase de perguntas, ele tentou fazer promoção de um livro sobre sua suposta atuação filantrópica em Roraima. "Não vai vender livro aqui, não", disse o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), reprovando a atitude de Martins. Mais tarde, ele respondeu rapidamente a uma pergunta do senador bolsonarista Marcos do Val (Podemos-ES) sobre sua filiação partidária.

"O Brasil está vendo que os machões da internet ficam caladinhos na CPI", disse o senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Pandemia, diante do silêncio insistente de Martins, que evitou 45 perguntas feitas pelo político alagoano.

Outros senadores acusaram Martins de "charlatanismo" e "curandeirismo". "O seu silêncio ofende meio milhão de brasileiros que conheceram o silêncio eterno", disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Martins foi à CPI acompanhado por Alberto Toron, um dos principais advogados criminalistas do país. Toron protagonizou um momento tenso com o senador Otto Alencar (PSD-BA). O parlamentar fez um comentário sobre a aparência de Toron, que parecia queimado de sol, e o silêncio de seu cliente, mas o advogado não gostou.

"Seu advogado está corado, parece que tomou banho de mar, e o senhor, seu Carlos, amarelou aqui na Comissão Parlamentar de Inquérito", disse Alencar. Toron, sentindo-se ofendido, pediu a palavra, que foi negada, e passou a reclamar de Alencar. O senador chegou a ameaçar chamar a Polícia Legislativa para retirar Toron do recinto, mas a situação se acalmou posteriormente.

O empresário Martins já vinha provocando críticas por parte dos senadores antes mesmo da sessão desta quarta-feira. Originalmente, ele deveria ter prestado depoimento em 17 de junho, mas evitou responder a convocações, alegando que estava nos Estados Unidos.

A CPI chegou a aprovar sua condução coercitiva, mas Martins acabou concordando em comparecer no dia 30. Ele ainda teve seu sigilo bancário, fiscal, telemático e telefônico quebrado a pedido da comissão. Ao voltar ao Brasil na terça-feira, ele teve seu passaporte apreendido pela Polícia Federal.

Suspeitas sobre vacinas

O depoimento de Martins ocorre em um momento extremamente delicado para o governo, que vem sofrendo uma enxurrada de acusações envolvendo compras suspeitas de vacinas. Na semana passada, o deputado Luís Miranda afirmou que chegou a alertar Jair Bolsonaro sobre uma pressão ilegal para a aprovação da vacina indiana Covaxin. O alerta foi aparentemente ignorado pelo presidente, e nenhum inquérito foi aberto.

O caso atingiu em cheio o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (DEM-PR), suspeito de agir para beneficiar a empresa Precisa, que intermediou a venda da vacina, vendida a 15 dólares, bem mais cara que outros imunizantes utilizados no Brasil. Durante a sessão da CPI desta quarta, o senador Renan Calheiros mostrou que Carlos "Wizard" Martins e o dono da Precisa têm uma sócia em comum.

Nos últimos dias, outras duas transações entraram na mira da CPI. Uma delas envolve a vacina chinesa Convidecia, promovida no Brasil pela empresa Belcher, de Maringá, que tem como sócio uma figura próxima da família Barros. Em junho, o governo assinou uma carta de intenção com a Belcher que previa o pagamento de 17 dólares por dose, numa transação que envolveria 60 milhões de vacinas.

Esse caso também envolve Carlos "Wizard" Martins, que é suspeito de ter atuado no negócio. Ele apareceu em uma live ao lado de um homem que se apresentava como intermediário brasileiro da fabricante da Convidecia.

Na terça-feira, eclodiu outro caso envolvendo transações suspeitas de vacinas. O jornal Folha de S. Paulo publicou acusações de um representante de uma empresa chamada Davati Medical Supply, que afirmou que tentou intermediar a venda de 400 milhões de doses extras da vacina da AstraZeneca para o governo, mas se deparou com um pedido de propina de 1 dólar por dose, que teria sido apresentado por um diretor do Ministério da Saúde.

O caso é nebuloso, já que a Davati exibe sinais claros de ser uma empresa de fachada. A AstraZeneca também afirmou que não usa intermediários. No entanto, o governo, em vez de rebater as acusações, exonerou rapidamente o diretor do ministério que foi acusado de cobrar propina. E-mails reproduzidos pelo jornal também mostram que o governo efetivamente negociou com a Davati, mesmo diante de sinais de que a empresa era suspeita.