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Caros brasileiros: A favela como espelho da sociedade

6 de janeiro de 2018

Como correspondente no Rio, a jornalista Astrid Prange conheceu a arte brasileira de viver. Seu primeiro mestre nessa matéria foi um morador da Rocinha – lugar que, segundo ele, é o melhor para se morar na cidade.

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Favela da Rocinha
"A lição que aprendi na Rocinha me ajudou a romper as barreira entres o asfalto e o morro", diz PrangeFoto: picture-alliance/dpa/F. Teixeira

Caros brasileiros,

Tive o privilégio de passar o réveillon na praia de Copacabana. Realmente, é um espetáculo sensacional e alucinante. O céu escuro do anoitecer se torna brilhante e multicolorido com os fogos de artifício. As pessoas fazendo promessas e votos para que este novo ano seja melhor que 2017. Entre os desejos mais citados pelos cariocas, em um ano de eleições, estão a redução da violência, a geração de empregos e um basta na corrupção.

Que assim seja! Espero que esses bons desejos sejam realizados e que um pouquinho desse espírito de réveillon seja vivido todos os dias. No fundo, tenho até uma certa inveja dessa esperança serena que une muitos brasileiros. Essa fé de que amanhã tudo será melhor e de que os contratempos serão vencidos é realmente admirável.

Nesta coluna, eu gostaria de compartilhar com vocês essa minha admiração pelo Brasil, que mudou e marcou a minha vida profissional e pessoal. Conheci o país quando trabalhei como correspondente do diário alemão taz, de Berlim, entre 1989 e 1997. Desde então, acompanho o desenvolvimento brasileiro.

Astrid Prange
Astrid Prange escreve sobre Brasil e América Latina para a Deutsche WelleFoto: DW/P. Böll

Como vocês sabem, até melhor do que eu, o Brasil é um sobe e desce que exige paixão e paciência. E a arte bem brasileira de viver. É um dom e ao mesmo tempo um desafio constante, que deve ser aprendido e praticado no dia a dia.

O meu primeiro mestre nessa matéria foi um morador da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Um dia, ele me convidou para conhecer a casa e a família dele e me levou a um tour pela comunidade. "Aqui é o melhor lugar para se morar no Rio", ele me disse convicto. "Temos a melhor vista da cidade, escola, creche, posto de saúde, bancos e podemos até comprar bilhetes de ônibus interurbano."

Até hoje eu me lembro dessas palavras. Elas me deixaram atônitas. Como alguém que ganhava um ou dois salários mínimos e morava numa casa toda apertada com banheiro improvisado achava que isso era o melhor lugar para se viver? Como alguém que tinha que contar cada centavo e lutava para pagar as contas no final do mês podia ser tão contente?

As manchetes sobre a Rocinha naquela época eram negativas. Os moradores do morro com a visão privilegiada para os pontos de cartão postal do Rio de Janeiro sofriam com a violência dos traficantes e da polícia, com a falta de água, luz e serviços públicos e com os preços abusivos do material de construção. Os problemas continuam até hoje. No primeiro dia deste ano, já houve tiroteio entre policiais e traficantes.

Apesar da violência, morar na Rocinha é algo cobiçado e caro. A especulação imobiliária não termina no asfalto, ela se estende para a maior favela da América Latina. Nenhum prefeito do Rio, nenhuma associação de moradores e nenhum instituto de preservação do meio ambiente conseguiu frear o avanço da construção de casas dentro da Floresta da Tijuca, parte do Parque Nacional dentro da cidade do Rio de Janeiro que se avizinha à comunidade da Rocinha.

As palavras do morador da favela que me convidou para conhecer a casa dele ampliaram o meu olhar. Quanto mais eu mergulhava nesse microcosmo, mais eu percebia que a Rocinha era um espelho da sociedade brasileira. Até então, eu olhava para as favelas como redutos de pobreza e violência. Mas percebi que essa postura era limitada e preconceituosa e transformava os moradores em vítimas, em vez de cidadãos com direitos negados.

Essa perspectiva mudou a abordagem de todas as minhas reportagens, não somente sobre a Rocinha. Rompeu as barreiras entre asfalto e morro. É como se alguém virasse a alavanca e, de repente, os velhos conceitos não valessem mais nada. Percebi que não bastava simplesmente escrever sobre a pobreza ou ignorá-la. Não basta ser contra ou a favor de favelas para resolver os problemas dos moradores.

Até hoje sou grata por essas experiências únicas e as inúmeras lições que aprendi no Brasil. Com essa bagagem, vejo os desdobramentos da crise política e econômica atual, bem como as eleições deste ano, em que esperamos que os eleitos pelo povo atendam aos três principais desejos pedidos no Ano Novo, de redução da violência, geração de empregos e um basta na corrupção.

De qualquer maneira, eu, pessoalmente, estou certa de que meu aprendizado com o Brasil continua.

Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter: @aposylt.

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