Casamento forçado pode virar crime na Alemanha
7 de novembro de 2004O atual debate sobre o possível ingresso da Turquia na UE é motivado, em parte, por temores. Muitos cidadãos europeus não querem, por exemplo, que a tradicional estrutura familiar islâmica – com casamento forçado e morte em defesa da honra – seja importada para a UE.
Aparentemente, é um medo infundado. Afinal, o casamento forçado não é uma peculiaridade só da Turquia. Essa prática existe em diversas culturas e religiões tanto na África, América Latina, Ásia, nos países árabes e se alastra também na Alemanha. Segundo um levantamento feito em Berlim, em 2002 existiam 230 casos conhecidos na capital alemã, sem contar as ocorrências não registradas, em número provavelmente ainda maior.
Meninas como mercadoria
Há 20 anos, a organização filantrópica Papatya, em Berlim, oferece proteção a jovens "condenados" por seus pais a se casarem obrigados. Birim Bayam, funcionária da Papatya, ilustra a situação com um exemplo. "Uma menina sérvia de 14 anos, há três anos em Berlim, conta que tinha que se casar com um homem de 35 anos, que pagara 25 mil euros a sua família. Para tentar evitar o casamento forçado, ela dormiu com o namorado e foi apresentada à família deste. Mesmo assim a mãe a prendeu, sem comida e aplicando-lhe surras regulares, até que ela conseguiu fugir de casa. Então procurou a polícia, sendo levada ao serviço de emergência para jovens e, de lá, para nossa instituição."
Nem sempre as noivas são simplesmente compradas como mercadorias. Às vezes, o noivo é obrigado a pagar uma quantia para comprovar que tem condições de sustentar a futura família. Em muitos casos, os pais escolhem entre os parentes os candidatos a cônjuge de suas filhas menores de idade.
Apesar de a legislação alemã estabelecer que "ninguém pode ser obrigado a casar", a Papatya atende anualmente uma média de 20 vítimas de casamento forçado. "Em regra, recebemos moças entre 14 e 21 anos de idade. Muitas delas foram obrigadas a se casar ou estão sob ameaça concreta. Muitas fogem realmente às vesperas do casamento", conta Bayam.
Viagem sem volta
Há jovens estrangeiras residentes na Alemanha que entram em pânico quando se preparam para passar as férias em seu país de origem, temendo uma viagem sem volta. No destino, às vezes, são esperadas por um noivo escolhido pelos pais. Se tiverem passaporte alemão, elas podem recorrer à ajuda da embaixada alemã para retornar à Alemanha. Caso contrário, se permanecerem mais de seis meses no país de origem, perdem o visto de permanência na Alemanha.
Uma saída cada vez mais usada pelas jovens em perigo é recorrer aos departamentos da juventude das prefeituras alemãs. Em casos extremos, essa autoridade pode esconder as vítimas, para protegê-las, impedindo até mesmo o contato telefônico com a família.
"Esse é um passo muito significativo e triste, porque, dependendo das circunstâncias, pode representar uma ruptura completa com a família. Esperamos nunca ter de chegar a este ponto e apostamos na possibilidade de negociar com a família. Mas há famílias que não recuam, porque isso significaria perder a honra", explica Bayam.
Os encontros entre os pais e as filhas em fuga costumam ser realizados em lugares protegidos, mas nem por isso a atividade da Papatya deixa de ser perigosa para as funcionárias da organização. Birim Bayam conta que uma de suas colegas foi ameaçada com um revólver, durante uma conversa, sendo obrigada a devolver uma jovem aos pais. Há casos, também, que têm um final feliz, quando os pais reconhecem que a filha vale mais do que um punhado de euros.
Segundo a Papatya, os motivos que levam os pais a forçarem o casamento de suas filhas são diversos. Às vezes, o pai quer apenas provar que detém o controle da família. Outras vezes, é um sinal para a grande família no país de origem, uma demonstração de respeito às tradições.
Criminalização
Temendo que o número de casos aumente, se a Turquia ingressar na UE, o governo do Estado de Baden-Württemberg decidiu, no final de setembro passado, apresentar ao Bundesrat (câmara alta do Parlamento alemão) um projeto de lei de combate ao casamento forçado.
A idéia é complementar o artigo 234 do Código Penal com uma determinação definindo o casamento forçado como crime sujeito a penas de três meses a cinco anos de prisão. O governo de Baden-Württemberg também criou uma comissão especial para apurar a dimensão e as formas de manifestação do problema no Estado.