Caso Eva Kaili expõe poder de lobistas no Parlamento Europeu
13 de dezembro de 2022As instituições políticas da União Europeia (UE) estão em crise devido a um escândalo de corrupção envolvendo o Parlamento Europeu.
A ex-vice-presidente do Parlamento Europeu Eva Kaili, de origem grega, é uma das quatro pessoas detidas e acusadas pelos promotores belgas de "participação em organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção".
A socialista – que já foi expulsa de seu partido político e destituída de uma das 14 vice-presidências do Parlamento Europeu – está envolvida num caso de corrupção relacionado com subornos do Catar para influenciar as decisões do Parlamento Europeu relativas à celebração do Mundial de futebol naquele país.
Os supostos vínculos entre Kaili e o Catar estariam em discursos elogiosos sobre o Estado do Golfo no Parlamento Europeu, votos a favor em casos relacionados ao Catar em comitês nos quais ela não tinha assento e presença em vários eventos não registrados no país.
Em uma declaração publicada na internet, a Missão do Catar na União Europeia chamou as alegações de "infundadas e gravemente desinformadas".
Embora os detalhes oficiais sobre o escopo e a profundidade da investigação policial na Bélgica permaneçam escassos, as atividades dos membros do Parlamento Europeu e de outros órgãos da União Europeia serão agora alvo de um maior controle.
Especialistas sobre UE questionam também se as medidas anticorrupção já existentes no bloco são suficientes.
"Quando há uma formulação de políticas altamente complexa e consolidada como na UE, ela se torna pouco transparente e, então, fica mais fácil comprar influência", disse Jacob Kirkegaard, do German Marshall Fund, em entrevista à DW. "Você pode comprar um vice-presidente do Parlamento Europeu por 600 mil euros! Eles são realmente tão baratos assim?"
"Esta [Eva Kaili] é claramente uma mulher que não tinha medo de ser apanhada. Isso indica que quaisquer medidas e processos do Parlamento Europeu não têm efeito de dissuasão", disse Kirkegaard. "Mesmo pessoas estúpidas, se tivessem medo, não fariam o mesmo."
Medidas para maior transparência
Mas quais medidas estão em vigor na UE? O bloco possui um banco de dados no qual ONGs, grupos de lobistas, consultores, instituições de caridade e outras organizações que queiram influenciar a legislação devem se registrar.
Todos os listados no Registro de Transparência são obrigados a declarar seus orçamentos e quaisquer doações acima de 10 mil euros para ONGs.
A ONG Fighting Impunity, que está no centro do atual escândalo de corrupção, não está no registro.
Seu presidente, o ex-eurodeputado italiano Pier Antonio Panzeri, também foi preso. E o companheiro de Eva Kaili, Francesco Giorgi, também trabalha na ONG. Além disso, a Fighting Impunity compartilha um escritório com a organização italiana sem fins lucrativos No Peace Without Justice, cujo diretor também foi detido neste caso.
"Devido às brechas no sistema, isso estava prestes a acontecer", afirmou Paul Varakas, presidente da Sociedade de Profissionais de Assuntos Europeus (SEAP), que ajuda lobistas a se inscreverem no Registro de Transparência, em entrevista à DW.
Em 2021, o Parlamento Europeu se recusou a aplicar o princípio da "condicionalidade estrita" anexado ao Registro de Transparência – o que os teria forçado a se reunir apenas com lobistas registrados.
Altos funcionários da Comissão Europeia, o braço executivo da UE, já são obrigados a cumprir esse princípio e só podem se reunir com lobistas listados no registro.
Mas os eurodeputados argumentaram que isso infringiria sua "liberdade de mandato" e rejeitaram, assim, as medidas para forçá-los a revelar todas as suas reuniões.
"É assim que eles [a ONG Fighting Impunity] estavam fazendo", disse Varakas. "Você tinha uma ONG influenciando a tomada de decisões sem ter a obrigação de divulgar nada. Eles foram convidados por um eurodeputado que não precisava declarar [a participação, por exemplo, em encontros]. Foi simples para eles."
A SEAP e outras organizações afirmam agora que, embora o registro obrigatório – e os requisitos de divulgação associados a ele – possa ser penoso para atores menores, como ONGs, a pressão sobre o Parlamento Europeu para se alinhar ao "princípio da condicionalidade" será imensa.
Após o escândalo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, reiterou o pedido de criação de um órgão de ética que supervisionasse todas as instituições da UE.
"Temos internamente um [órgão de supervisão] na Comissão Europeia com regras muito claras, e acho que é hora de discutirmos como poderíamos estabelecer isso para todas as instituições da UE", disse Ursula von der Leyen numa coletiva de imprensa em Bruxelas, na segunda-feira (12/12).
Imunidade de eurodeputados
Os eurodeputados também gozam de imunidade diplomática para realizar seu trabalho político sem receio de serem processados.
De acordo com o Protocolo sobre Privilégios e Imunidades da UE, eles não podem "estar sujeitos a qualquer forma de investigação, detenção ou procedimentos legais em relação às opiniões ou votos expressos por eles no exercício de suas funções".
A imunidade não é válida, porém, "quando um eurodeputado for apanhado em caso de flagrante delito, e isso não pode impedir o Parlamento Europeu de exercer seu direito de revogar a imunidade de um dos seus membros".
Se necessário, os eurodeputados têm o direito de pedir que a sua imunidade seja respeitada, mas o gabinete de imprensa do Parlamento Europeu disse que nenhum pedido dessa natureza foi feito por Eva Kaili.
Os juízes de acusação na Bélgica também não pediram o levantamento da imunidade.
"Se não houver pedido de revogação da imunidade, isso sugere que o juiz concluiu que os critérios foram atendidos para que a imunidade não seja mais aplicada", disse o porta-voz do Parlamento Europeu, Jaume Duch, em Estrasburgo.
No passado, pedidos de imunidade foram feitos em relação a pedidos de extradição. Mas como os crimes envolvendo Eva Kaili foram supostamente cometidos na Bélgica, a extradição não se aplicaria neste caso.