Caso Dutroux: prisão perpétua, mas não fim de processo
23 de junho de 2004As sentenças pronunciadas em Arlon pelo juiz Stephane Goux, na terça-feira (22/06), concluíram o julgamento de crimes que abalaram como poucos a opinião pública na Bélgica. O pedófilo Marc Dutroux, figura central, foi condenado à prisão perpétua, sem direito à liberdade condicional, pelo seqüestro e estupro de seis meninas e adolescentes e o assassinato de duas delas. Sua ex-esposa, Michelle Martin, vai passar 30 anos na prisão por co-responsabilidade pela morte de duas meninas de oito anos. Para um terceiro réu, Michel Lelièvre, a pena foi de 25 anos de prisão por cumplicidade em vários seqüestros e outras acusações.
Gosto amargo de algo não concluído
O julgamento começara a 1º de março último, após oito anos de investigações permeadas de panes e impasses que ocasionaram uma crise na Bélgica, levando à demissão de ministros e a uma reforma do aparato policial. O fato de ter se arrastado por tanto tempo, sem ter esclarecido definitivamente a existência ou não de uma quadrilha de pedofilia envolvendo altos círculos da sociedade são destacados pela imprensa alemã em seus comentários.
Segundo o diário Neue Westfälische, de Bielefeld, a Justiça belga não tem do que se orgulhar, neste caso. Afinal, o Estado de Direito precisou de oito anos para responsabilizar Dutroux por suas atrocidades. "Oito anos que foram uma tortura para os familiares das vítimas, que têm direito a que o Estado demonstre capacidade de ação com uma Justiça que funcione." Independente do que tenha sido causa das inúmeras panes que ocorreram, "ainda há muitas coisas que precisam ser esclarecidas".
O Fuldaer Zeitung, de Fulda, opina que, ao fim de quase quatro meses de julgamento, não se têm respostas satisfatórias para o que aconteceu realmente nove anos atrás, em Charleroi, e principalmente para o que está por trás de tudo. Para as vítimas que sobreviveram e os familiares, é certamente "um consolo que, afinal, se tenham pronunciado sentenças contra Dutroux e seus cúmplices. A satisfação causada pelo veredicto do juiz talvez seja para os pais o único caminho para superar os acontecimentos inconcebíveis. Mas, para todos que esperavam um efeito catártico para a Justiça belga e toda a sociedade, o resultado é decepcionante".
O Nordwest-Zeitung, de Oldenburg, também considera a sentença um desagravo para os pais das garotas seviciadas, torturadas e finalmente assassinadas. Mas continua sendo pelo menos questionável se ela bastará para "apagar para sempre as escuras sombras do passado. Tampouco fica claro se o aparato estatal da Bélgica saiu purificado desse julgamento caracterizado por panes misteriosas".
O Thüringer Allgemeine, de Erfurt, destaca que o caso não pode ser visto isoladamente, mesmo porque o próprio Dutroux, até o final, insistiu na existência de toda uma quadrilha que servia a uma clientela disposta a pagar muito pela satisfação de suas perversões. O fato de se ter ignorado durante muito tempo os indícios que apontavam para os crimes do pedófilo "não é, contudo, apenas um escândalo belga. O crime propaga-se por todos os países pela internet, sem que a Justiça ponha um fim a isso".
Este, aliás, é também o aspecto acentuado pelo General-Anzeiger, de Bonn: "Não se trata aqui apenas de um problema belga. Crianças maltratadas, seqüestradas, violentadas e assassinadas existem por toda a parte, todos os dias — também na Alemanha. [...] E as imagens de sexo com crianças que a internet propaga? E isto não é tudo [...] há muita coisa doentia na sociedade. Em toda a parte, não apenas na Bélgica."