Caso raro na Finlândia ajuda ciência a isolar gene ligado à esquizofrenia
23 de agosto de 2013A história da descoberta dos pesquisadores começou com uma desconfiança gerada por dados estatísticos. O ponto de partida foi uma distante região de zona rural de 20 mil habitantes, muito visitada por quem pratica esqui, no nordeste da Finlândia. A vila foi fundada no século 17 por apenas 40 famílias – todos os residentes da atualidade têm uma ligação com os primeiros moradores.
Nesse local, a probabilidade de uma pessoa desenvolver a esquizofrenia é três vezes maior que a média mundial. No mundo todo, o risco de o transtorno mental ocorrer é de 1%. Para Aarno Palotie, geneticista do Instituto de Medicina Molecular da Finlândia, esses números mereciam mais atenção.
"Quando visitamos a região onde a doença aparece com mais frequência e onde as informações genéticas são incomuns, vimos uma chance única de entender melhor a esquizofrenia", relatou Palotie em entrevista à DW.
Parâmetros da pesquisa
Ao analisar o material genético da população local, os pesquisadores buscavam genes que não se manifestavam com tanta frequencia em comparação com outras pessoas. Foi então que encontraram o TOP3β.
Quando esse gene está presente, o corpo produz uma proteína de mesmo nome. Ela influencia o material genético da célula e, ao que tudo indica, essa proteína também protege contra o aparecimento de falhas no cérebro. Os cientistas constataram que pessoas que nao têm o gene, e consequentemente não produzem a proteína, têm maiores chances de sofrer de esquizofrenia.
Esta é uma regra que não se restringe à Finlândia, mas vale para todo o mundo. "Nós nunca teríamos encontrado este gene se tivéssemos analisado moradores de grandes metrópoles de diferentes origens étnicas", afirmou Palotie, destacando a característica única do vilarejo finlândes.
Entre os sintomas mais comuns apresentados por pacientes esquizofrênicos estão alucinações e delírios, além de distúrbios na linguagem e na organização de pensamentos. Se a doença for diagnosticada em um estágio precoce, o quadro pode ser controlado com medicamentos.
Parceria inesperada
Enquanto os autores finlandeses se perguntavam porque esse gene em específico tinha relação com a esquizofrenia, bioquímicos da Universidade de Wurzburg, na Alemanha, souberam do estudo pela internet. Eles já investigavam a proteína TOP3β e ficaram entusiasmados com a descoberta de Palotie. "Nós já tínhamos um palpite de que o gene tinha algo a ver com a doença, mas descobrimos ao ler o estudo que ele realmente era um fator de risco ", contou George Stoll, da universidade alemã.
TOP3β não é o único gene considerado pela ciência como fator chave no desenvolvimento da doença. Pesquisadores já haviam descoberto diferentes genes desse tipo, inclusive uma concentração deles no cromossomo 22. No entanto, a causa bioquímica que provoca o efeito observado ainda é um mistério. O mesmo vale para o TOP3β.
Até agora, pesquisadores sabem que a proteína produzida pelo gene provoca efeitos no núcleo celular e que ela atua na regulação do gene. "Nós já havíamos identificado os rastros do sinal celular quando a proteína é ativa. Ou seja, nós já sabemos onde procurar", disse Stoll. Os cientistas querem descobrir o que exatamente acontece de errado na célula quando a proteína não está presente. E a razão pela qual essa combinação faz com que a esquizofrenia apareça.
Transtorno duplicado
O que torna o gene tão interessante é que ele faz parte de um grupo maior de genes. Um de seus "genes parceiros" é o chamado FMRP, que também é ligado a um distúrbio mental chamado síndrome do X frágil, uma deficiência mental que se manifesta, entre outros, no autismo.
Segundo o espectro de transtornos mentais definido pelos cientistas, esquizofrenia e autismo são exatamente o oposto. "Nós acreditamos que, dependendo de qual das duas proteínas está ausente na célula, isso desencadeia um extremo ou o outro", diz Stoll.
As duas doenças, portanto, estariam ligadas geneticamente e se manifestariam, na maior parte das vezes, conjuntamente. Estudos recentes confirmam essa teoria, afima Palotie. "Temos dados que ainda não foram publicados que mostram que as pessoas que sofrem de síndrome do X frágil têm um alto risco de ter esquizofrenia."
Alvo potencial para medicamentos
Por meio de teste genético, já é possível descobrir se existe risco de a esquizofrenia se manifestar. No entanto, Stoll não se mostra muito entusiasmado com essa iniciativa: a falta do gene TOP3β não significa que a pessoa terá o transtorno.
Mais importante que os testes é usar a descoberta para desenvolver novas substâncias, capazes de substituir a proteína que falta na célula. "Encontrar um único gene e caracterizar a sua função é um passo na direção correta, mas não pode haver a expectativa de que isso leve à cura da esquizofrenia", pondera Stoll.