Sem Lula, com Dilma
9 de maio de 2011O breve giro de Hugo Chávez pela América Latina começa no Brasil e termina em Cuba, com uma rápida passagem pelo Equador. O presidente da Venezuela será recebido por Dilma Rousseff nesta terça-feira (10/05), e na próxima quinta-feira estará na terra dos irmãos Castro.
Essa organização da agenda não é mera coincidência, acredita Rafael Duarte Villa, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo. "Isso é coerente com a concepção política e ideológica que Chávez tem sobre a América Latina. Mostra que Chávez joga dos dois lados."
Ao passar antes por Brasília, o governo venezuelano demonstra o peso que o Brasil tem para seu país. "E ao finalizar a viagem em Cuba, Chávez mostra que não quer se desligar da aliada, que cuida da ligação ideológica com os irmãos Castro", opina Villa.
Nem tão perto, nem tão longe
Existe um certo suspense sobre o tom que a presidente Dilma Rousseff irá adotar em suas relações com o líder venezuelano. Com o fim dos anos Lula, a proximidade com Chávez também deve ficar no passado. "Dilma e Chávez são dois governantes muito diferentes, eles não tem nada em comum", comenta Susanne Gratius, pesquisadora alemã da Fundação para Relações Internacionais e Diálogo Exterior (Fride), com base em Madri.
Os temas democracia e direitos humanos, prioridades na agenda da nova presidente, não são apreciados exatamente da mesma forma pelo venezuelano. Em Caracas, Felix Aureliano, pesquisador da Universidad Central de Venezuela, lembra da "postura violenta" de Chávez ao tomar algumas decisões, como a saída da Comunidade Andina das Nações, comunicada no fim de abril último.
"Dilma Rousseff tem mostrado uma grande prudência e grande inteligência na conduta de sua política internacional. E vai conduzir a relação com a Venezuela com mais distância do que o fazia o presidente Lula", disse Aureliano à Deutsche Welle.
Por outro lado, a líder brasileira deve pedir o apoio venezuelano para engrossar o coro dos países que pedem a reforma no Conselho de Segurança das Nações Unidas. "Influência a Venezuela não tem, mas o país deve continuar respaldando essa aspiração brasileira. Assim como, no passado, o Brasil apoiou a falida tentativa da Venezuela de ser um membro não permanente do Conselho, em 2006, mas a posição acabou indo para o Panamá", lembra Duarte Villa.
Embora a Venezuela não seja uma parceira tradicional do Brasil em assuntos internacionais, para o país de Dilma é importante somar apoio para forçar mudanças no Conselho de Segurança. Atualmente, o Brasil é um dos cinco membros não permanentes.
Mercosul e trocas comerciais
Felix Aureliano lembra ainda outro ponto positivo na história dos vizinhos. "Sob o ponto de vista das fronteiras, a Venezuela sempre se relacionou de maneira muito harmônica com o Brasil, nunca houve um conflito. E as relações econômicas e políticas se fortaleceram ao longo do tempo. E a sociedade venezuelana olha com grande apreço para o Brasil."
Os números da balança comercial dão indícios de uma relação em ascensão: nos primeiros três meses de 2011, o comércio entre Brasil e Venezuela já ultrapassou a casa de 1 bilhão de dólares, dando indicações que irá superar a marca do ano passado, que foi de 4,6 bilhões de dólares. Mas são os venezuelanos que mais importam produtos brasileiros, fazendo com que quase 80% das trocas sejam favoráveis para o Brasil.
Do lado venezuelano, uma disputa ainda gera preocupação: a entrada definitiva do país no Mercosul, que aguarda sua aceitação pelos demais membros desde 2005. A adesão foi aprovada pelos parlamentos da Argentina, do Brasil e do Uruguai, que compõem o bloco, e a aprovação do parlamento do Paraguai ainda está pendente.
"Creio que a entrada no Mercosul é mais importante para o governo do que para o país. As possibilidades econômicas da Venezuela dentro do Mercosul são muito poucas", avalia Félix Aureliano. Segundo o especialista da Universidad Central de Venezuela, a situação produtiva do país vem se deteriorando fortemente. "A política do governo nacional tem sido a de destruir a agricultura, expropriar propriedades produtivas, destruir a indústria com expropriações, invasões. O dinheiro vindo do petróleo faz com que Chávez pense que pode fazer o que bem entende."
A diferença entre os modelos econômicos do Brasil e da Venezuela pode vir a ser um ponto de atrito. "Porque o Brasil, e o Mercosul, respeitam o mercado, a iniciativa privada, têm uma tendência liberal, e o modelo venezuelano é totalmente o contrário", lembra Aureliano. Mas em seu primeiro encontro com a presidente Dilma, Chávez fará de tudo para esconder tantas contradições.
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Augusto Valente