Checkpoint Berlim: O legado olímpico de 1936
19 de agosto de 2016Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro entraram para a história como os primeiros da América do Sul, e apesar de todas as análises que se possa fazer agora, a real dimensão de seus impactos e do tão comentado legado só será conhecida no futuro. Assim foi com Berlim, a cidade que recebeu o evento há exatamente 80 anos.
Em 1936, o regime nazista queria mostrar ao mundo uma imagem pacífica e aberta. O Terceiro Reich não economizou em propaganda: construiu um grandioso parque olímpico – com estádio, piscina e anfiteatro a céu aberto – e uma moderna vila olímpica, a primeira da história dos Jogos da era moderna e que ficaria como legado, mas não para a população. Com a saída dos atletas, a tal "Vila da Paz" assumiu ironicamente sua identidade original: a de um complexo militar.
Na época, porém, toda essa maquiagem funcionou. Os atletas internacionais teriam voltado para casa com uma boa impressão do regime nazista. Essa máscara cairia pouco tempo depois, deixando exposta a verdadeira face dos anfitriões.
Hoje, 80 anos depois, parte do legado olímpico ainda marca a cidade. O imponente estádio – "casa" do time de futebol Hertha Berlim – recebe jogos da Bundesliga, eventos esportivos e culturais, e voltou a brilhar na Copa de 2006 após uma reforma. Mais acessível aos berlinenses, no entanto, é a antiga piscina olímpica, aberta ao público durante o verão, onde é possível nadar como as estrelas de 1936.
Já da antiga vila olímpica restaram apenas ruínas. A Vila da Paz foi ocupada por militares até 1992, primeiro pelos nazistas, depois pelo Exército soviético. A ocupação e o tempo deixaram marcas, que ficaram ainda mais profundas com o abandono na década de 1990. Após anos sendo alvo de depredações e saques, o complexo foi transformado em museu, aberto a visitações entre abril e outubro.
O tempo também levou consigo o espírito olímpico que encheu a cidade na década de 1930. Berlim não deve voltar a receber megaeventos tão cedo. Os Jogos de 1936 podem ter sido os únicos da história da capital alemã. Depois de uma candidatura frustrada no início dos anos 1990, há um ano os berlinenses recusaram a ideia de sediar o evento novamente. Com a rejeição em massa, a candidatura para 2024, tão sonhada por governantes locais, nem chegou a sair do papel.
A rejeição era esperada diante dos impactos e dos custos dos últimos Jogos Olímpicos. Os berlinenses não acreditaram na conversa da prefeitura, que tentava vender um modelo de megaevento social. A recusa foi um claro não ao investimento de bilhões na construção de complexos luxuosos exigidos por organizações internacionais e à especulação imobiliária que vem junto no pacote.
Clarissa Neher é jornalista freelancer na DW Brasil e mora desde 2008 na capital alemã. Na coluna Checkpoint Berlim, publicada às sextas-feiras, escreve sobre a cidade que já não é mais tão pobre, mas continua sexy.