China confisca medicamentos em meio a onda de covid-19
23 de dezembro de 2022Após o fim da política de "zero covid" e do aumento drástico de casos de covid-19 na China, o governo de Pequim confiscou nesta sexta-feira (23/12) a produção de suprimentos médicos e testes de coronavírus de algumas empresas farmacêuticas chinesas. O motivo são os problemas no abastecimento desses itens nas farmácias.
Depois da decisão repentina do governo de acabar com quase três anos de confinamento, quarentenas e testes em massa, as farmácias viram grandes filas se formar e enfrentam desabastecimento, uma vez que as autoridades pediram às pessoas com sintomas leves que ficassem em casa e se tratassem – o que levou à compra compulsiva de remédios como ibuprofeno, além de testes.
Para resolver estas carências, as autoridades intervieram em mais de uma dezena de empresas farmacêuticas chinesas para ajudar a "garantir o abastecimento", segundo a mídia local.
Pelo menos 11 dos 42 fabricantes de testes cujos produtos são autorizados pelos reguladores chineses viram grande parte de sua produção ser confiscada pelo governo ou receberam ordens do Estado para entregá-la, segundo a mídia local.
A Wiz Biotech, fabricante de testes de antígenos na cidade de Xiamen, no sul do país, confirmou à agência de notícias francesa AFP que toda a sua produção foi apreendida pelo governo local.
Aumento da produção
Na capital, Pequim, as autoridades enviaram mão de obra para seis fabricantes de testes de diagnóstico rápido para ajudá-los a "aumentar a produção", disse o governo municipal em seu site.
Em toda a China, milhões de pessoas não têm acesso a suprimentos farmacêuticos básicos.
"Toda a minha família está doente e não posso comprar remédio para febre", disse à AFP Yanyan, moradora de Chengdu, no sudoeste.
Na quinta-feira, várias farmácias do país confirmaram à reportagem da agência francesa que estavam ficando sem remédios para febre. "Ainda temos alguns analgésicos, mas muito poucos", disse um farmacêutico na região de Ningxia, no noroeste.
Racionamento
Por essa razão, alguns governos locais impuseram racionamentos. Na cidade de Zhuhai, no sul, próxima a Macau, as autoridades informaram que será necessário se identificar para comprar medicamentos para a febre em mais de 500 farmácias. Além disso, as compras serão limitadas a seis comprimidos por semana.
Nanjing, capital da província oriental de Jiangsu, conseguiu 2 milhões de comprimidos, mas também limitou as compras a seis comprimidos por semana.
A cidade de Hangzhou, no leste, pediu a seus cidadãos que comprem medicamentos "racionalmente", com base em suas necessidades. "Não estoquem medicamentos. Deixem para as pessoas que realmente precisam deles", diz um comunicado municipal.
O aumento de casos de covid-19 na China continental tem repercussões na cidade semiautônoma de Hong Kong, onde as farmácias também estão com prateleiras quase vazias há quase duas semanas.
"Na semana passada, havia pessoas comprando uma dúzia ou duas dúzias de caixas de remédios para gripe para enviar para a China continental", disse um farmacêutico.
A principal rede farmacêutica da cidade, a Mannings, limitou as compras de remédios para febre, resfriado, gripe e tosse devido ao "aumento repentino da demanda".
Gargalo logístico
Um especialista disse que o gargalo era mais um problema logístico do que de produção. "A indústria e as autoridades estão tomando medidas para garantir a produção, mas a logística está longe de ser tranquila", disse Zhou Zhicheng, diretor da Federação Chinesa de Logística e Compras.
De acordo com o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China Mao Ning, a produção doméstica de suprimentos médicos está se expandindo no país e é "geralmente suficiente".
A declaração veio após o secretário de Estado americano, Antony Blinken, dizer que a China "não pediu vacinas".
"Atualmente, a taxa de vacinação da China está aumentando, assim como a capacidade da vacina de tratar pessoas", disse Mao.
Os Estados Unidos se ofereceram para ajudar Pequim – mas, até agora, não houve um pedido de socorro da China, segundo Blinken.
Estimativa de 5 mil mortes por dia
O fim da política de "zero covid" na China está tendo consequências devastadoras, em um país com taxa de vacinação baixa. Hospitais estão superlotados e há filas nos crematórios, informam fontes não oficiais.
Há uma estimativa de um milhão de novas infecções por dia no país. O instituto de pesquisa britânico Airfinity calcula que, por dia, sejam mais de 5 mil mortes devido ao coronavírus. De acordo com os cálculos do modelo, a atual onda de infecções terá dois picos - em janeiro e março -, com possivelmente 3,7 milhões e 4,2 milhões de casos por dia, respectivamente.
No entanto, os números oficiais do regime de Pequim estão bem longe disso. A Comissão Nacional de Saúde relatou na sexta-feira 3.761 novos casos de coronavírus sintomáticos – no dia anterior eram 3.030. Além disso, segundo o governo, não houve novas mortes nas últimas 24 horas, e o total de óbitos desde o começo da pandemia é de 5.241 no país de 1,4 bilhão de habitantes.
Funcionários de crematórios no leste de Pequim relatam que estão tendo muito mais trabalho que o normal: carros funerários se acumulam nas ruas.
A polícia faz cerco a esses locais – e jornalistas estrangeiros não são bem-vindos. O Estado chinês e a liderança do Partido Comunista Chinês não querem que esse tipo de informação vaze. O relato oficial é de um curso moderado da doença com a variante ômicron.
Temor de nova variante
O governo agora está abrindo clínicas de triagem e hospitais de emergência. Além disso, as autoridades de saúde chinesas também estão monitorando o possível desenvolvimento de novas variantes do vírus.
A onda de infecções também preocupa os políticos na Alemanha: o porta-voz da política externa da bancada parlamentar da União Democrata Cristã (CDU), Jürgen Hardt, pediu a suspensão das conexões aéreas com a China.
"Os números explosivos da covid na China, causados pela fracassada política do governo chinês, estão ameaçando o mundo inteiro com uma nova onda de infecções", disse o parlamentar.
"Não devemos repetir o erro de três anos atrás e agora devemos interromper todas as conexões aéreas de e para a China imediatamente", defendeu.
Os erros da China
Depois de quase três anos de bloqueios, quarentenas forçadas, testes em massa e rastreamento de contatos, o país mais populoso do mundo suspendeu abruptamente sua dura política de "zero covid" em 7 de dezembro. O motivo oficial para reviravolta foi que as infecções com as novas variantes do ômicron não eram mais tão graves. No pano de fundo, porém, estiveram os maiores protestos em três décadas no país, que pediam o fim das fortes restrições.
O epidemiologista Ben Cowling, da Universidade de Hong Kong, critica o fim das restrições justamente próximo ao inverno. Além disso, um alerta prévio à população teria sido necessário com urgência.
"Essa teria sido a oportunidade para os hospitais se prepararem, para estocar remédios, por exemplo, antivirais", diz Cowling. "Além disso, uma campanha de reforço da quatro doses com uma janela de dois meses para dar a todos a chance de obter seu reforço".
O ex-professor universitário Wu Qiang acha que a burocracia chinesa está em um impasse. Ele é um dos poucos chineses que ainda criticam o país. A política extremamente dura limitou a capacidade dos tomadores de decisão de se preparar para a mudança de política, disse Wu Qiang.
"Ao mesmo tempo, nos últimos três anos, eles desperdiçaram recursos despejando dinheiro na construção de campos de quarentena e dedicando todo o pessoal administrativo ao controle – sem melhorar o sistema público de saúde".
Segundo Wu Qiang, os cientistas chineses também entenderam que o vírus estava se tornando cada vez mais contagioso e que a política de "zero covid" não funcionaria a longo prazo. No entanto, a maioria deles é proibida pelo governo de expressar suas opiniões.
"Os poucos supostos cientistas da autoridade de saúde que têm o direito de falar o que pensam distorcem informações relevantes para o público da China e para os tomadores de decisão", disse.
le/md (EFE, AFP, Reuters, ots)