China busca enterrar de vez escândalo que abalou Partido Comunista
19 de agosto de 2013Bo Xilai pertencia à elite da China. Era membro do seleto e quase onipotente Politburo, o comitê executivo do Partido Comunista. E, como filho de um companheiro de Mao Tsé-tung, fazia parte da aristocracia política chinesa.
Chegou a ser secretário do Partido Comunista em Chongqing, a maior cidade do país, com quase 30 milhões de habitantes. Suas ambições eram elevadas, porém realistas: ascender até o círculo de liderança supremo e se tornar um dos sete membros do Comitê Permanente do Politburo.
Assim, tão alta foi sua ascensão, tão impactante foi, em março de 2012, a sua queda. A repercussão foi tanta que abalou a longamente planejada transmissão de poder à nova geração de líderes em Pequim, no último trimestre do ano passado.
Nesta quinta-feira (22/08), começa o julgamento do ex-astro da política chinesa, acusado de corrupção, suborno e abuso de poder. Com o processo, a liderança comunista tenta pôr um ponto final ao maior escândalo político das últimas décadas no país.
Caso difícil para o partido
A ação jurídica foi provavelmente antecedida por complicados processos de coordenação entre as diferentes facções do Partido Comunista, avalia Björn Alpermann, especialista em China da Universidade de Würzburg, na Alemanha.
"Foi preciso esclarecer se era sequer possível processar Bo Xilai, quais seriam as acusações, e qual deveria ser a pena, no fim das contas", afirma.
O problema para Pequim é que a combinação entre poder político e interesses políticos não se encerra com Bo Xilai: a corrupção é endêmica na China, e vários políticos estão envolvidos.
Com base em informações colhidas entre círculos partidários interessados, em 2012, os veículos americanos Bloomberge e The New York Times examinaram as fortunas das famílias do atual chefe de Estado e do partido, Xi Jinping, e do ex-primeiro-ministro Wen Jiabao.
O resultado: o patrimônio familiar de Xi Jinping supostamente equivale a cerca de 300 milhões de euros, enquanto o de Wen Jiabao ultrapassaria os 2 bilhões de euros. Depois dessas revelações, tanto o site da Bloomberg quanto o do New York Times passaram a ser bloqueados na China.
O fato de Bo Xilai, um antigo membro do Politburo, agora ir a julgamento equivale, para Björn Alpermann, a uma admissão "de que o Partido Comunista não consegue conter a corrupção nem mesmo em seus mais altos círculos". Ao mesmo tempo, o especialista lembra que no país acusações de corrupção costumam ser usadas como arma contra políticos indesejados.
"Justamente nos altos escalões, acusações de corrupção sempre têm um sabor político", diz.
Andrew Nathan, da Universidade de Colúmbia, em Nova York, afirma que o réu fez bastantes inimigos na liderança do partido. "Bo Xilai rompeu com a tradição de preservar a unidade do partido e relegar as lutas de poder aos bastidores. Ele desenvolveu algo assim como seu carimbo de marca na administração de Chongqing", diz o especialista em política chinesa.
Movido pela ambição, Bo Xilai trilhou caminhos inusitados para um político chinês, acrescenta Rebecca Liao, advogada e autora americana. "Bo utilizou a mídia como um político ocidental, para tentar angariar diretamente o apoio da população", opina
"Nova Esquerda" silenciada
Bo Xilai transformou-se na figura de proa da assim chamada "Nova Esquerda". Ele propagou o retorno aos valores da Revolução Chinesa, resgatou as "canções vermelhas" dos tempos revolucionários, investiu em peso contra o crime organizado em Chongqing – sem qualquer esforço em dar uma impressão de constitucionalidade. O carismático político foi bem aceito pela população, e também recebeu aplausos dos quadros partidários.
Neste meio tempo, porém, os intelectuais de esquerda em torno de Bo foram praticamente silenciados. Ao mesmo tempo, o chefe de Estado Xi Jinping se esforça visivelmente por reunir em torno de si as forças de esquerda, batendo-se pela herança ideológica maoísta do partido e exortando a juventude a aprender com Mao.
A propaganda do Partido Comunista tentou vender o processo contra Bo Xilai como parte da campanha de Xi contra a corrupção, aponta Alpermann. A intenção era mostrar que, nessa luta, o partido não poupa nem mesmo seus mais altos líderes.
"No combate à corrupção, Xi Jinping aposta unicamente na força de impacto da central partidária. Trata-se de uma abordagem de cima para baixo, que não deixa espaço para participação popular e verdadeira transparência, ou controle real por parte de uma Justiça ou mídia independentes", opina.
A análise de Björn Alpermann é sustentada por acontecimentos recentes. Segundo cálculos de ativistas dos direitos humanos chineses, cerca de 100 deles já foram presos desde a posse de Xi Jinping, entre eles alguns que haviam exigido a divulgação dos patrimônios de altos funcionários do Partido Comunista.
O caso envolvendo Bo, que não é visto em público desde março do ano passado, é complexo. Ele teria desviado quantias bilionárias dos cofres públicos com ajuda do inglês Neill Heywood, assassinado em 2012. Pelo homicídio, a mulher de Bo, Gu Kailai, foi condenada à morte com suspensão condicional de pena – o que na China implica comutação para prisão perpétua.
Bo é acusado de ter roubado 3,8 milhões de dólares, quantia bem menor que a que suspeita-se ter sido desviada, mas suficiente para render-lhe a pena de morte. No entanto, analistas acreditam que ele conseguirá evitar a pena capital, dada sua ainda alta popularidade e sua proximidade ideológica com o presidente Xi Jinping.
Estima-se que a sentença sairá já em 1º de setembro, e uma das maiores incógnitas do caso é se a acusação de abuso de poder emitida pelo Ministério Público servirá para enquadrá-lo por encobrir o assassinato do empresário inglês. Consenso entre observadores é que, independente disso, o pivô do maior escândalo político das últimas duas décadas na China passará o resto da vida na prisão e longe dos holofotes.