Christoph Schlingensief: rebelde com causa
26 de outubro de 2005A aparência discreta de bom moço, filho de farmacêutico, nascido em 1960, em Oberhausen, não combina com a imagem veiculada pela imprensa, que não perde nenhuma oportunidade de insultá-lo. "A rejeição quase unânime indica talvez uma resistência a enfrentar o incômodo", opinam os que o defendem.
Crianças crescem
Quando, aos 20 anos, Christoph Schlingensief começou a ficar conhecido do público em função de seus longa-metragens, ele não passava, na visão dos meios de comunicação, de um menino malvado e histérico, em plena puberdade.
Vinte anos mais tarde, parece que nada mudou. A imprensa continua rejeitando sua pessoa, só que com uma diferença: para ele, esta postura é até bem-vinda agora, servindo de publicidade para seu trabalho.
Pelo visto, Schlingensief se cansou do rótulo de enfant terrible. Suas estratégias são claras: fornecer com prazer informações sobre seu trabalho e manter uma aparência tranqüila, nem muito afoito, nem tímido. Ou seja, Schlingensief é o melhor relações-públicas de seu trabalho.
As aparências enganam
O homem atacado pelos críticos confere realmente com a descrição que costumam fazer dele: discreto, católico e nascido num lugar extremamente pequeno-burguês. Para muitos espectadores, fica difícil acreditar como este rapaz de aparência simpática possa ser o mesmo que levou à tela um "massacre alemão de serras elétricas", pôs em cena orgias entorpecentes e dedicou uma temporada teatral a neonazistas.
"As pessoas acreditam que meus filmes foram feitos por um louco depravado e, quando me vêem, desconfiam. Quando, além disso, vêem que posso me comunicar e argumentar, ficam completamente confusas", diz.
Depois da apresentação de uma peça no Volksbühne, em Berlim, um grupo de jovens começou a questioná-lo: "O que você quer nos dizer com isso?" Esta não é, na opinião de Schlingensief, a pergunta correta: "Fomos educados para reconhecer uma coisa unicamente através de sua função, somente assim sabemos para que tudo existe".
O interessante, porém, para Schlingensief, é aquilo que não tem função. Fazendo com que um dos pilares de seu trabalho seja exatamente esse: combater a forma e a função.
A incerteza faz a arte
A compulsão pelo funcionalismo é suprida, no caso de Schlingensief, por uma propensão ao experimentalismo. A improvisação é um elemento fundamental em seu trabalho. A encenação de uma de suas peças numa noite nunca será parecida com a da noite seguinte, pois o resultado de um experimento será sempre diverso do outro.
Num de seus primeiros filmes, Tugunska (1984), Schlingensief declarou guerra ao cinema de narrativas, utilizando um verdadeiro bombardeio acústico e visual e ironizando desta forma a "vanguarda" – o que continua fazendo até hoje.
Muitas de suas manias já puderam ser percebidas quando ele era ainda bem jovem, como o costume enlouquecedor de colocar seus personagens para correr aos gritos.
Em seus filmes, Schlingensief sempre preferiu personagens que agem de forma teatral. Além da vontade de assustar o espectador, já se podia ver ali seu interesse especial pelo teatro, que viria a ser, mais tarde, seu outro meio de expressão artística.
Experimentos teatrais
O teatro de Schlingensief busca a experiência coletiva. A interação entre os atores é tão importante e imprescindível como o que acontece entre atores e público. Schlingensief fala do grupo com o qual trabalha como se fosse sua família: "O que nos mantém unidos é a certeza secreta do absurdo de ainda estarmos todos vivos".
Sua relação com os meios de comunicação é, porém, de amor e ódio. Pois desde o início de sua carreira ele vem refletindo, criticando, atacando ou simplesmente falando da mídia.
Além do cinema e do teatro, ele conseguiu chegar a outra esfera pela qual já mantinha há muito interesse: a televisão. Em 1997, apresentou seu primeiro programa e seguiu trabalhando em prol de seu objetivo-mor: a irritação total. O problema é que hoje em dia a irritação total nem sempre irrita, mas, ao contrário, acaba sendo bem vista.
Por exemplo, em U-3000 (MTV 2000), que se passa no metrô de Berlim, Schlingensief é visto correndo de vagão em vagão, com o corpo pintado, vestido com roupas rasgadas e acompanhado por um grupo de atores semiprofissionais – alguns deles deficientes mentais – representando cenas desconexas umas das outras. Todos gritando e provocando. Pois a irritação total sempre foi seu lema: abaixo as formas!
Rebelde com causa
Mesmo que à primeira vista Schlingensief mais pareça um adolescente barulhento, não se pode negar sua sagacidade política e sua capacidade de "colocar o dedo nas feridas" de modo implacável em seus happenings. Como foi no caso de Ausländer raus (Fora estrangeiros), realizado em Viena no ano de 2001.
Imitando os formatos de reality TV, ao estilo Big Brother, Schlingensief colocou um contêiner, semelhante aos utilizados para deportações, no meio de uma praça no centro da cidade. Dentro estavam 20 estrangeiros requerentes de asilo político.
Todos os movimentos dos "prisioneiros" eram captados por câmeras postadas dentro do contêiner e que transmitiam as imagens ao vivo pela internet. De forma semelhante ao programa de tevê Big Brother, o espectador – no caso qualquer um que telefonasse para lá – decidia por meio de seu voto quem deveria abandonar o contêiner – no caso a Áustria, o país que concedia asilo político.
A repercussão foi enorme, manifestantes se agruparam em frente à praça, discutiram o assunto e alguns acabaram histéricos ou agressivos.
Shakespeare cura nazistas?
No mesmo ano, Schlingensief levou ao palco Hamlet no Teatro Estatal de Zurique, na versão de Gustaf Gründgens, de 1963. O elenco era formado por atores profissionais e por neonazistas, que, teoricamente, pretendiam deixar agrupamentos de extrema direita.
O ponto de partida era exportar neonazistas alemães para a neutralidade da Suíça, com o objetivo de reintegrá-los à sociedade graças à terapia teatral. Segundo o dramaturgo que colaborou com Schlingensief, a Suíça oferecia o ambiente ideal para este trabalho. "Aqui não se exterminaram judeus, não existe racismo aberto e tudo se soluciona de modo exemplar com a ajuda do dinheiro. Diante do dinheiro somos todos iguais".
Da mesma forma que em Hamlet, um drama marcado pela dúvida e pela suspeita, Schlingensief pôs em cena a incerteza sobre o papel dos neonazistas. O espectador se perguntava, porém, ao final do espetáculo, se os neonazistas abandonaram realmente a ideologia de extrema direita ou se Schligensief simplesmente proporcionou a eles um novo fórum. Christoph Schlingensief, demagogo inspirado, se nega a ser "politicamente correto".