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CIA: Geisel autorizou política de execuções na ditadura

11 de maio de 2018

Documento secreto de 1974 aponta que presidente incumbiu o general Figueiredo, que viria a ser seu sucessor, a analisar cada caso e dar sinal verde para assassinatos de "subversivos".

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Ernesto Geisel - brasilianische Präsident zwischen 1974-1979
Ernesto Geisel, o penúltimo chefe de Estado do regime militar brasileiro. Foto: imago stock&people

Um documento secreto de 1974 elaborado pela CIA, a agência de inteligência dos Estados Unidos, aponta que o ex-presidente Ernesto Geisel (1974-1979) deu sua aprovação para uma política de "execução sumária" de "subversivos" durante o regime militar.

Liberado pelo Departamento de Estado dos EUA, odocumentoaponta ainda que Geisel teria incumbido o general João Baptista Figueiredo, que viria a ser sucessor na Presidência, a analisar e autorizar pessoalmente qualquer execução. À época, Figueiredo chefiava o Serviço Nacional de Informações (SNI).

Intitulado "Decisão do presidente brasileiro Ernesto Geisel de dar continuidade à execução sumária de subversivos perigosos sob certas condições", o documento foi assinado pelo então chefe da CIA, William Colby, e enviado originalmente para Henry Kissinger, então secretário de Estado do governo Richard Nixon.

O informe faz parte de um lote de documentos liberados pelo Departamento de Estado em 2015 e foi tornado público no Brasil por Matias Spektor, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e autor do livro Kissinger e o Brasil. Spektor postou o link para o documento em sua página no Facebook.

"É o documento secreto mais perturbador que já li em vinte anos de pesquisa", disse.

Reunião

O informe americano, com data de 11 de abril de 1974, descreve uma reunião entre Geisel, Figueiredo e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino que havia ocorrido no dia 30 de março daquele ano. Milton Tavares foi o chefe de Centro de Informações do Exército (CIE) no governo de Emílio Médici (1969-1974), o antecessor de Geisel. Já Avelino assumiu a função no novo governo.

Segundo o documento, durante o encontro, o general Milton falou sobre suas atividades à frente do CIE e disse que o "Brasil não deveria ignorar a ameaça subversiva e terrorista". Ele pediu então que "métodos extralegais" continuassem a ser empregados. O general também informou que, no último ano, 104 pessoas haviam sido sumariamente executadas pelo CIE. "Figueiredo apoiou a política e exortou a sua continuidade", diz o informe.

Ainda segundo a CIA, Geisel comentou sobre "aspectos potencialmente prejudiciais" dessa política e disse aos presentes que iria pensar sobre o assunto no fim de semana. No dia 1° de abril, segundo o documento, Geisel informou Figueiredo que a política de assassinatos deveria continuar, mas que "mais cuidados deveriam ser tomados para ter certeza de que apenas subversivos perigosos fossem executados". 

Ainda de acordo com o informe, ficou acertado que o CIE deveria consultar e pedir a autorização de Figueiredo antes de qualquer execução. Por fim, o documento informa "que o presidente e Figueiredo concordaram" que o CIE deveria devotar "quase todos os seus esforços em subversão interna" e que esses esforços seriam "coordenados pelo general Figueiredo".

O documento não informa quem teria divulgado as informações sobre essa reunião para a CIA. Dois parágrafos do informe não foram tornados públicos e continuam rasurados.

Segundo o professor Spektor, o documento elaborado pela CIA "é a evidência mais direta do envolvimento da cúpula do regime (Médici, Geisel e Figueiredo) com a política de assassinatos".

Evidências de envolvimento

Anteriormente, haviam sido divulgadas apenas informações gerais sobre o envolvimento dos presidentes do regime militar com o funcionamento dos aparelhos de repressão, sem o apoio de documentos oficiais.

Em 2003, o jornalista Elio Gaspari divulgou no livro A ditadura derrotada a transcrição de uma conversa de fevereiro de 1974 entre Geisel, que se preparava então para assumir a Presidência, e o general Dale Coutinho, seu futuro ministro do Exército, em que o tema da tortura é abertamente discutido.

"Esse troço de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser", diz Geisel no diálogo, gravado pelo secretário do presidente. Coutinho, por sua vez, narrou para Geisel sua experiência com execuções à frente do 4º Exército. "'Eu fui obrigado a tratar esse problema lá e tive que matar. Tive que matar."

No mesmo livro, Gaspari relata uma conversa entre Geisel e um tenente-coronel em janeiro de 1974. O assunto era a prisão de um grupo no Paraná que havia acabado de chegar da Argentina. "E não liquidaram, não?", perguntou Geisel. O militar teria respondido afirmativamente: "Ah, já, há muito tempo. Tem elemento que não adianta deixar vivo, aprontando".

Geisel foi o penúltimo chefe de Estado do regime militar. Seu governo é normalmente encarado como uma fase da ditadura marcada pela diminuição da repressão – em comparação com a administração do seu antecessor – e os primeiros passos rumo a abertura política do regime, que valeram ao general sucessivos embates com outros setores das Forças Armadas. Foi também durante seu governo que o "milagre econômico" da ditadura começou a ruir. No período, o Brasil também se distanciou dos EUA, selou um acordo nuclear com a Alemanha Ocidental, reatou as relações com o governo comunista da China e reconheceu a independência de Angola.  

Em seu relatório final divulgado em 2014, a Comissão Nacional da Verdade apontou que ocorreram 434 mortes e desaparecimentos durante o regime militar. O documento também responsabilizou 377 agentes por crimes durante a fase de repressão.

Em resposta à divulgação do informe da CIA, a assessoria de imprensa afirmou, em nota, que não possui mais documentos relativos à atuação do CIE e que por isso não pode confirmar a veracidade do relatório americano. 

"O Centro de Comunicação Social do Exército informa que os documentos sigilosos, relativos ao período em questão e que eventualmente pudessem comprovar a veracidade dos fatos narrados, foram destruídos, de acordo com as normas existentes à época — Regulamento da Salvaguarda de Assuntos Sigilosos (RSAS)", diz a nota.

JPS/ots

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