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CIA publica 11 mil documentos sobre o Brasil

19 de janeiro de 2017

Agência se interessou pelos mais diversos temas, acompanhando a situação da esquerda no fim da ditadura, a ascensão de Lula, a simpatia pelo nazismo no governo Vargas e a conspiração comunista de poloneses no Paraná.

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USA Lobby der CIA Hauptquartier in Langley, Virginia
Foto: Reuters/L. Downing

A CIA, a agência de inteligência central dos EUA, publicou nos últimos meses em seu site na internet centenas de milhares de documentos que não são mais considerados confidenciais. Cerca de 11 mil, elaborados entre 1940 e 1990, fazem referência ao Brasil. Os documentos consistem em longos relatórios, telegramas, análises regulares e cabos diplomáticos.

Uma grande parte deles já havia sido aberta ao público há anos, mas apenas algumas centenas vinham sendo disponibilizados na internet. Agora, o sistema permite a procura por palavras-chave e releva um pouco sobre como os analistas da CIA e da OSS (a antecessora da agência) encararam o Brasil ao longo de cinco décadas.

Um documento de 1982, por exemplo, elabora um longo painel sobre a situação dos sindicatos, dos partidos de esquerda e da Igreja Católica do Brasil ao final da ditadura. "O fenômeno Lula demonstrou que o sindicalismo não era dócil como muitos observadores acreditavam e mostrou que, com uma liderança revitalizada, o movimento tem potencial de força política", diz o relatório.

Os analistas também demonstraram, nos anos 80, interesse pela figura do futuro presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um documento de 1986 apontava que ele "era um franco admirador de Fidel Castro" e havia visitado a Alemanha Oriental e estabelecido laços com o partido comunista local.

Militares e armas

Dezenas de relatórios também tratam sobre as relações dos Estados Unidos com o regime militar. Um documento de 1971, por exemplo, afirma que uma visita do presidente Emílio Médici aos Estados Unidos poderia enfrentar dificuldades por causa da divulgação de notícias no exterior sobre o uso de tortura pelas Forças Armadas brasileiras.

"A publicidade negativa crescente sobre a tortura pode provocar demonstrações e outras formas de protestos durante a visita de Médici, complicando a visita e provocando um embaraço sério para o presidente dos EUA e Médici". O relatório afirma ainda que Médici" pode estar a par do alcance da violência usada pelas forças de segurança brasileiras e pode até ter dado sua permissão tácita".

Os agentes da CIA também mostraram interesse pela indústria bélica brasileira. Um relatório de agosto de 1978 relata a "primeira identificação da fábrica de blindados da Engesa" em São José dos Campos e descreve detalhes da planta. Um documento de julho de 1984 exibe um painel geral da exportação de armamento pelo Brasil. "A concentração de vendas para o Oriente Médio – o Iraque e a Líbia absorvem mais da metade das exportações de armas brasileiras – fazem com que o Brasil fique extremamente vulnerável se ocorrer um corte brusco de demanda na região", diz o documento, que também demonstra a preocupação dos analistas com vendas brasileiras para "países hostis aos EUA".

Infiltração comunista e polonesa 

Há dezenas de relatórios sobre o temor de infiltração comunista. Um deles, de 1961, descreve a atuação dos serviços de espionagem da Alemanha Oriental no Brasil e cita um agente chamado Kurt Ullrich, que havia iniciado suas atividades no país sob o codinome "Café". Segundo a CIA, ele tinha como missão financiar e organizar grupos comunistas locais. O documento afirma ainda que os alemães-orientais cometeram alguns erros, como o fato de enviar para Ullrich um transmissor que não era capaz de enviar sinais para Berlim Oriental.

Um relatório de 1949 indica a satisfação da agência com o fato de o novo chefe de polícia de Curitiba, Pedro Scherer, que tinha origem polonesa, ser anticomunista. Menciona ainda que a embaixada da Polônia (então com um governo comunista) no Rio de Janeiro estava preocupada com as declarações de Scherer em "combater a facção de Varsóvia na colônia polonesa" de Curitiba.

Outro documento de 1949 afirmava que a cidade de Irati, no interior do Paraná, "está se tornando rapidamente um centro para o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e para atividades do regime comunista polonês".

O relatório citava ainda que propaganda comunista estava sendo enviada a Irati pelo consulado polonês em Curitiba, com a ajuda de funcionários da linha ferroviária. "Pacotes com propaganda foram enviados até que funcionárias do correio em Irati descobriram os nomes de agitadores comunistas. Desde então elas passaram a destruir todos os pacotes enviados para eles."

Nazistas e Pelé

A presença de nazistas no Brasil também foi tratada por agentes da OSS, a antecessora da CIA. Um relatório de 18 de dezembro de 1941, enviado por William Donovan, o chefe da OSS, ao presidente Franklin Roosevelt aponta que o Brasil estava aos poucos se alinhando com os EUA, mas ainda manifesta preocupação com simpatizantes do nazismo no governo brasileiro.

O documento enumera alguns dos pró-nazistas: o chefe da polícia do Distrito Federal, Filinto Müller, o chefe do Departamento de Imprensa e Propaganda, Lourival Fontes, e o ministro da Guerra (e futuro presidente), Eurico Gaspar Dutra.

O documento elogia medidas tomadas por Vargas, como a proibição da publicação de jornais em alemão. Um anexo descreve que medidas assim vinham gerando descontentamento entre a população de origem alemã e cita manifestações em Blumenau e Joinville contra a proibição da exibição de filmes do estúdio alemão UFA. O relatório, no entanto, minimiza a revolta. "Parece ter sido meramente uma explosão em um distrito que é quase inteiramente alemão e onde ações contrárias ao que é alemão causam ressentimento."

Um relatório de 1948 menciona ainda a atuação de um grupo terrorista japonês chamado Tokotai no norte do Paraná, que teria 300 membros. "O Tokotai está espalhando propaganda para convencer que o Japão não perdeu a guerra e que o general MacArthur é prisioneiro dos japoneses."

Há também documentos de teor mais leve, como cabos diplomáticos. Um deles trata dos preparativos de uma visita do jogador Pelé à Casa Branca, em 1975, e enumera a lista de gracejos que poderiam ser usados pelo então presidente Gerald Ford no encontro com o rei do futebol. Um deles era a sugestão de falar "temos esperança de que em alguns anos vamos montar um time que possa desafiar as maiores equipes desse esporte" e "soube que uma vez, no Brasil, a seleção americana derrotou os ingleses e os tirou da Copa do Mundo".