Carne de proveta
22 de dezembro de 2011O local de trabalho de Mark Post parece um laboratório comum com instalações para a manipulação estéril – incubadoras e microscópios. Não lembra em nada a cozinha de Frankenstein. Há duas semanas ele e seus dois colegas equiparam o lugar para o experimento atual: fazer carne crescer na placa de Petri.
O ponto de partida são os mioblastos, ou seja, células-tronco de fibras musculares de um embrião – neste caso, de um boi. "Nós isolamos os mioblastos e iniciamos uma cultura celular, de maneira que se multipliquem. Quando chegamos a um número suficiente de células, desenvolvem-se miotubos, as verdadeiras células musculares. Nós as colocamos em uma placa de Petri e as deixamos crescer na incubadora."
Como se fosse no interior do boi
A incubadora reproduz exatamente as condições do organismo de um boi: a temperatura é de 37º C; a umidade do ar próxima a 100%; e o teor de dióxido de carbono em torno de 5%. O teor de oxigênio é pouco menor que 21%.
Os miotubos são alimentados com uma solução nutritiva de açúcar, proteína, aminoácidos, vitaminas e minerais. Nada de acelerar o crescimento, nada de engenharia genética – na incubadora, as células devem sentir como se crescessem em um boi.
O resultado após cerca de seis semanas tem a aparência de uma camada de lenço de papel, da qual daí se cortou uma tira de poucos centímetros. Quando indagado se aquilo é para ser comido, Post ri.
"O tecido ainda é branco, não tem cor de carne. Ainda tem a consistência de tecido e, portanto, ainda não tem muito gosto. No momento, trabalhamos a base científica, nas condições ideais para produzir carne na placa de Petri", diz o cientista.
Não faltam voluntários
Mas no próximo ano Mark Post quer chegar mais adiante. Ele pretende apresentar um protótipo: um hambúrguer de carne de laboratório, que deve ter exatamente a mesma aparência de um tradicional. "Os voluntários já estão fazendo fila para provar o primeiro hambúrguer", relata Post.
Ele mesmo gostaria de experimentá-lo, mas terá de dar prioridade a seus financiadores. O governo holandês é um deles, mas a maior quantia proveio de um investidor privado.
Post dedica-se à pesquisa da carne in vitro desde 2008. E o médico tem muito que fazer. Além de ser professor de Fisiologia na Universidade de Maastricht, ele coordena o instituto de pesquisa de doenças cardiovasculares CARIM, com 250 funcionários. No projeto da carne de laboratório, porém, há apenas três pesquisadores envolvidos, incluído o próprio Post.
Em busca de financiadores
A equipe de Maastrichter não é a única no mundo que desenvolve a carne de proveta. Em Nova York, pesquisadores realizam experimentos com filé de peixe; na Universidade da Carolina do Sul, com peru; e também nas Universidades de Oxford e do Missouri são desenvolvidas pesquisas semelhantes.
Na Holanda, cientistas de algumas universidades uniram-se em uma rede. Enquanto Post opera a pesquisa de base, outros se dedicam, por exemplo, à composição ideal da solução nutritiva para as culturas celulares.
Em agosto de 2011, os pesquisadores encontraram-se em Gotemburgo, na Suécia, para discutir as atividades relacionadas à carne de laboratório, coordenar suas pesquisas e conseguir financiadores.
Para produzir um hambúrguer suculento e comercializável a partir das tiras de células pálidas dentro de dez, 15 anos, seriam necessários mais de mil funcionários, organizados numa rede mundial, estima Post. E muito dinheiro. Se conseguir provar com seu proto-hambúrguer que a ideia funciona, então as verbas começarão a entrar, espera o pesquisador.
Cada vez mais reações positivas
Diante de Post há um hambúrguer de verdade e uma placa de Petri com a solução nutritiva para a carne de laboratório. Com seu método, seria possível cultivar um bife inteiro no laboratório, diz. O princípio básico é sempre o mesmo, e valeria também para carne de ave ou de porco.
A atitude da opinião pública com relação a seu projeto já mudou muito. "Antes a primeira reação costumava ser: 'Urgh! Ninguém irá comer isso!'. Hoje, muitos dizem: 'Sim, faz sentido buscarmos alternativas para a carne. Vamos ver quais são as vantagens!'", conta Post.
A seu ver, são três as principais vantagens. "O modo como produzimos carne é muito ineficiente. Porcos e bois como as principais fontes de carne têm um índice de conservação biológica de apenas 15%. Precisamos cultivar muita proteína vegetal para alimentar os animais e obter uma quantidade relativamente pequena de proteína animal."
Para obter um quilo de carne, um boi precisa de sete quilos de ração – geralmente grãos. A soja também é utilizada, causando muitas vezes o desmatamento de florestas. De acordo com um estudo da Universidade de Oxford, cerca de um terço da colheita de grãos acaba no estômago do gado, em vez de alimentar a população dos países em desenvolvimento.
"Desse jeito, não conseguiremos abastecer a população mundial com alimentos de qualidade", afirma Post com convicção. "E a criação de gado é um fardo para o meio ambiente. Os animais consomem muita água e terra. Setenta por cento da superfície cultivada no mundo é ocupada por gado. Além disso, o consumo de energia é enorme. Os animais emitem uma parte substancial das substâncias que contribuem para o aquecimento global."
Luxo ou salvação
O problema principal é o gás metano. Uma vaca arrota a cada 40 segundos, e, mais do que uma reação digestiva, trata-se de um enorme fardo para o clima global. Cada vaca produz 250 litros de metano por dia – gás 23 vezes mais poluente que o CO2. O efeito das cerca de 1 bilhão de vacas no mundo é devastador. A criação de gado é responsável por cerca de um quinto dos gases do efeito estufa.
Encontrar outras fontes de proteína seria um alívio não apenas para o meio ambiente. "Queremos mostrar sob que condições os animais vivem e morrem. Uma sociedade desenvolvida não pode mais aceitar isso. Também sabemos que, com a criação intensiva de gado, surgem doenças e epidemias entre os animais, o que por sua vez leva à necessidade de usar antibióticos", considera Post.
Post não é vegetariano e está ciente de que, para muitos, o consumo de carne faz parte do estilo de vida ocidental. Em muitas regiões, um pedaço de carne suculento no prato é sinal de fartura. De acordo com um prognóstico da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o consumo de carne dobrará para 460 milhões de toneladas ao ano até 2050. Mas nosso planeta não suportaria isso.
Mas a questão é: quem consumiria a carne de laboratório? Seria um produto de moda para benfeitores abastados ou uma contribuição para a luta contra a fome no mundo? Para o pesquisador holandês Post, trata-se de uma pergunta interessante, que gera intenso debate.
"Pode-se servir a nichos de mercado e oferecer todos os tipos de carne possíveis. Mas minhas ambições são um pouco mais altas. Meu interesse principal é fazer algo mais eficaz do que a carne que conhecemos hoje", afirma o cientista. Assim, a carne in vitro ajudaria também a combater a fome no mundo. E é justamente esse o objetivo de Post.
Autor: Birgit Görtz (lpf)
Revisão: Augusto Valente