A bordo do Polarstern
23 de maio de 2010"Já fui inúmeras vezes à Antártida, e sempre foi uma vivência incrível", diz o geofísico alemão que ficou 68 dias a bordo do navio alemão de pesquisas Polarstern. Entre as mais bonitas emoções que viveu, está a visita de centenas de focas ao barco.
DW-WORLD.DE: O Polarstern navegou pelos mares do Polo Sul de outubro de 2009 a maio de 2010. O navio percorreu 68 mil quilômetros, com aproximadamente 150 cientistas de 15 países a bordo. Como você, um dos participantes da viagem, descreve a convivência no navio?
Karsten Gohl: Apesar de o Polarstern ser um navio grande, com capacidade para mais de 100 pessoas, a viagem foi apertada. No nosso trajeto da Nova Zelândia de volta para Punta Arenas, havia 52 cientistas e 44 membros da tripulação a bordo. A maioria das pessoas teve que dividir cabines duplas, mas a gente já sabia disso antes e tentou compartilhar o espaço com os outros da melhor forma possível. As refeições é que eram mais difíceis, pois os dois refeitórios não comportavam todos ao mesmo tempo. Às vezes era necessário esperar vagar uma mesa, mas tudo acabou dando certo. O Polarstern é um navio fantástico, capaz de abrigar essa quantidade de pessoas a bordo.
Qual era a meta da viagem?
Investigar o desenvolvimento das grandes calotas glaciais. A calota glacial da Antártida Ocidental e a groenlandesa são o foco da investigação no que toca à alteração do nível do mar. Ambas as calotas são bastante dinâmicas e mudam com grande rapidez. Só na Antártida Ocidental, se a calota se desintegrasse inteiramente, haveria uma elevação de três a cinco metros do nível do mar. Não sabemos se isso jamais virá a acontecer.
Percorremos essa região para constatar como a calota se comportou ao longo do passado geológico. Para tal, investigamos determinadas épocas. Por exemplo, o período de um a quatro milhões de anos. Registros geológicos indicam que as condições climáticas daquela época eram semelhantes às de hoje. A questão é se as condições das calotas naquelas circunstâncias climáticas são comparáveis às de agora, se devemos igualmente esperar uma elevação do nível do mar ou se o quadro não será tão dramático assim.
Qual foi a sua tarefa durante a expedição? Você não ficou só a bordo, mas também circulou pelo gelo. O que fez exatamente?
Tivemos tarefas bastante diversificadas no Polarstern. Trabalhamos com métodos geológicos e geofísicos. Também fizemos medições oceanográficas e geodésicas. Investigamos os sedimentos que se encontram na plataforma continental e no fundo do mar. Tudo isso por meio de registros sísmicos e amostras extraídas com a ajuda de pequenos perfuradores e coletores de sedimentos. Disso consistiu a maior parte do trabalho. Também tínhamos oceanógrafos a bordo, encarregados de medir a temperatura da água e o teor de sal. Afinal, é bem provável que a principal razão do derretimento da calota sejam as águas quentes que sobem das profundezas do mar para o âmbito da plataforma continental, contribuindo para o gelo da superfície derreter mais rapidamente.
Quanto tempo a equipe de cientistas vai trabalhar no material coletado durante essa expedição?
No caso de alguns dados coletados, pode durar bastante, pois uma análise precisa requer um enorme detalhamento. Espera-se que os resultados possam ser preparados para publicação e divulgação pública dentro de um a três anos. Além disso, os dados serão representados em diagramas climáticos e maquetes de calotas, pois esses são os instrumentos utilizados para o prognóstico do desenvolvimento das calotas e do nível do mar. São diversos grupos de pesquisa que estão à espera dessas informações, de modo que ainda vai demorar para se chegar a uma conclusão.
Você participou da expedição durante o verão do Polo Sul. Faz calor ou frio nessa época?
Em comparação com o rigoroso inverno na Alemanha, até tivemos temperaturas relativamente amenas. Ao escrever e-mails para casa, eu sempre me espantava ao constatar que estávamos próximo à Antártida e a temperatura do ar era de -3ºC, enquanto na Alemanha se registravam -10ºC ou -15ºC. Bem incomum uma coisa dessas, mas também tivemos condições meteorológicas inusitadas, com ventos quentes vindos do norte. As temperaturas mais baixas que tivemos foram de -15ºC ou -16ºC.
O que mais o impressionou nessa expedição?
Foi um acontecimento biológico. Ao contrário de qualquer expectativa, numa certa manhã apareceram centenas de focas em volta do navio, se é que não foram milhares no decorrer de todo o dia, vindas de todas as direções. Era como se colônias inteiras de focas tivessem vindo se concentrar em um único lugar. O que ocasionou isso foi provavelmente a ausência de gelo, pois as focas não estão acostumadas a isso naquela região. Como havia menos placas de gelo, elas tinham pouco lugar para repousar. Acho que elas nos tomaram por uma ilha ou por uma grande placa de gelo. Seja como for, era impressionante vê-las nadando na direção da embarcação e brincando nos redemoinhos provocados pelas hélices do navio.
Então os cientistas a bordo do Polarstern acabam tendo tempo para observar coisas fora dos limites de sua pesquisa...
Sim, e isso é grandioso e impressionante. Os icebergs sob uma luz em constante mudança, esse cenário todo. Já fui inúmeras vezes à Antártida, e sempre foi uma vivência incrível.
O quanto uma viagem como essa desperta o senso de descoberta? Dá para se sentir, por exemplo, como um Charles Darwin a bordo do Beagle ou quem sabe até como um Alexander von Humboldt?
Não podemos comparar as condições relativamente luxuosas do Polarstern com as limitações daquela época, mas – sobretudo na Antártida – sempre acabamos atravessando áreas que jamais haviam sido navegadas ou vistas por um ser humano. Ao reunir informações nessas regiões, ou cartografar o fundo do mar, por exemplo, ao encontrar estruturas criadas pelas correntes de gelo, como um sistema de fiordes noruegueses, dá para se sentir como um descobridor. Isso é que é emocionante na pesquisa polar. É uma oportunidade de redescobrir muitas coisas novas que fazem parte do nosso planeta.
Entrevista: Andreas Ziemons (sl)
Revisão: Roselaine Wandscheer