Cinco desafios para Dilma Rousseff
1 de janeiro de 2015O grande número de votos da oposição nas eleições de outubro deixou claro à presidente Dilma Rousseff que colocar a economia no eixo do crescimento será o primeiro desafio do seu segundo mandato, iniciado nesta quinta-feira (01/01).
Entretanto, para dar uma resposta ampla ao recado vindo das urnas, outras áreas fundamentais, como saúde, educação e segurança, exigem esforços para a integração de políticas e eficiência na gestão dos gastos públicos.
Reforma política
A reforma política é discutida desde a época do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Entre os possíveis pontos a serem considerados nessa reforma estão a fidelidade partidária (que obriga os congressistas e demais legisladores e serem fiéis ao seu partido, sob pena de perda do mandato), a cláusula de desempenho (que exige um percentual mínimo de votos para o ingresso de uma partido no Congresso), o voto facultativo ou obrigatório, o financiamento dos partidos e o sistema eleitoral (se os eleitores votam num candidato ou numa lista definida pelos partidos).
Para Dilma, uma reforma no sistema político brasileiro é "a primeira e mais importante" medida a ser tomada pelo governo a partir de 2015. Em discurso a militantes do PT após a divulgação do resultado da eleição presidencial, a presidente voltou a propor a realização de um plebiscito para que os eleitores decidam se querem ou não a criação de uma assembleia constituinte para implementar a reforma política.
A reforma fora um dos pactos propostos pela presidente em resposta às manifestações de junho de 2013, mas a medida não avançou no Congresso Nacional.
O cientista político Claudio Couto, da FGV, diz que o plebiscito não é um método necessariamente eficaz, pois precisa ser aprovado pelo Congresso. "Os congressistas resistem a ele. Plebiscitos são formas de vencer a resistência da classe política profissional, por conta de seus interesses corporativos. Por isso mesmo, ela resiste a implementá-los", explica.
O professor de Direito Alexandre Bahia, do Ibmec-MG, vê a realização de um plebiscito como oportunidade para que as pessoas entendam melhor como promover mudanças no sistema político. "Todos são críticos da política, mas pouquíssimos sabem o que ou como mudar o atual estado de coisas. Um plebiscito e os debates que o acompanham são uma boa oportunidade nesse sentido", avalia.
No último debate da campanha presidencial, Dilma defendeu também o fim do financiamento empresarial privado de campanha. O Supremo Tribunal Federal (STF) deve finalizar em breve um julgamento, considerando essa prática inconstitucional, e ordenar que o Congresso elabore uma nova lei sobre o tema.
Educação
Será o principal foco do segundo mandato, como deixou claro Dilma no discurso de posse. Ela pretende universalizar a educação para as crianças de 4 e 5 anos até 2016, ampliando o número de creches. Até o fim do novo mandato, ela também quer ampliar a educação em tempo integral para 20% da rede pública de ensino.
Os dados da educação no país, no entanto, não são animadores. A taxa de evasão de estudantes de até 19 anos do Ensino Médio diminuiu, mas segue alta. Pouco mais da metade dos alunos concluem o ciclo escolar, segundo a ONG Todos Pela Educação.
Ao mesmo tempo, o programa Ciência sem Fronteiras, que financia bolsas de estudo a estudantes brasileiros no exterior e já está na segunda fase, é criticado por má gestão e pouco retorno para o desenvolvimento da ciência do país.
"O programa foi lançado às pressas", diz o sociólogo Simon Schwartzman, membro da Academia Brasileira de Ciências. "Quando se manda alguém para fora com financiamento público, se espera que ele vá se integrar num projeto como pesquisador, por exemplo. Não se sabe o que os alunos da graduação fazem depois que voltam."
Outro ponto importante, a taxa de analfabetismo, voltou a cair depois de um ano de estagnação, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. Em 2013, o índice de brasileiros com 15 anos ou mais que não sabiam ler e escrever era de 8,3%.
No Brasil, o investimento público em educação é baixo se comparado a outros países. Em 2011, o Brasil desembolsou somente 2.985 dólares por estudante. Em países como Finlândia, Alemanha, Austrália e França, o valor supera 10 mil dólares. Nos Estados Unidos, passa de 15 mil dólares.
Após os protestos na metade de 2013, que levaram milhares de brasileiros às ruas, a presidente sancionou a lei que destina 75% da arrecadação dos contratos de exploração de petróleo assinados a partir de dezembro de 2012 à educação, e os outros 25%, à saúde.
Entretanto, a melhora efetiva do ensino básico está muito distante, considerando o mau desempenho dos brasileiros em testes internacionais. No Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), as escolas federais (528 pontos) e privadas (502 pontos) vão bem, mas as estaduais e municipais tem pontuações preocupantes (387 pontos). "Também há disparidades regionais", aponta o cientista político Adriano Gianturco, do Ibmec-MG.
Saúde
A partir de 2002, a verba do orçamento federal para a saúde sofreu um aumento de mais de 95% e passou para 91 bilhões reais em 2014. O aumento orçamentário foi possível graças a uma emenda à Constituição, aprovada em 2000, que prevê que os recursos destinados à saúde sejam corrigidos anualmente conforme a variação do Produto Interno Bruto (PIB).
Apesar da elevação dos recursos, o sistema de saúde continua subfinanciado. "Considera-se o SUS como um sistema de saúde para os pobres, e não para todos os cidadãos brasileiros", critica o professor de economia da saúde Áquilas Mendes, da Faculdade de Saúde Pública da USP.
Para Mendes, a carência de recursos financeiros no SUS representa um "descaso com essa política de direito social". Enquanto no Brasil o gasto público em saúde gira em torno de 4% do PIB desde 2009, França, Alemanha e Reino Unido têm taxas que variam entre 8% e 9%.
O Programa Mais Médicos, lançado em 2013, já levou ao Brasil mais de 14 mil profissionais de Cuba, Espanha, Portugal e Argentina, entre outros, para atender pacientes no interior do país e na periferia das capitais. Ao mesmo tempo em que a atenção básica foi priorizada, ainda faltam recursos para a atenção especializada, como exames complexos e cirurgias.
Segurança
Dilma pretende ampliar os centros de comando e controle montados nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo. Ela quer fazer alterações na Constituição para levar as unidades em todos os estados. Os centros atuariam em operações articuladas com as polícias e as Forças Armadas.
Para o professor de Direito Theo Dias, da Fundação Getúlio Vargas, a proposta é genérica. "A estrutura foi montada para um evento específico e não deve responder às demandas cotidianas da segurança pública", afirma Dias, que também é conselheiro do Instituto Sou da Paz. "O governo federal precisa entender melhor qual é o seu papel na política de segurança pública, que tem sido muito residual no controle da criminalidade."
A competência pela gestão da segurança pública é dos estados, com exceção da Polícia Federal. Para o especialista, o governo deve facilitar a integração entre as polícias estaduais e investir num sistema nacional de informações criminais, com um banco de dados referente a mandados de prisão e pessoas procuradas. "Hoje, isso é totalmente descentralizado", observa.
Dias argumenta que a Polícia Federal deve ser valorizada, ter um efetivo maior e melhor treinamento para fazer o controle de crimes de competência da Justiça Federal, como lavagem de dinheiro e corrupção, e o monitoramento das fronteiras externas.
Para o advogado, o governo tem condições de estimular investimentos no sistema prisional e pode fomentar, por exemplo, a discussão de penas alternativas. "O governo não pode aprovar as reformas, porque depende do legislativo, mas pode ter papel central no Congresso para mudanças no campo penal."
Infraestrutura
Na área de infraestrutura, atrair o capital privado é o principal desafio de Dilma. A projeção de investimentos para o setor neste ano é de 2,54% do PIB (dados da consultoria internacional Inter.B), quatro pontos percentuais abaixo do nível recomendado pela ONU aos países da América Latina e do Caribe.
"É preciso estabelecer um ambiente de confiança para o investimento do capital privado, porque o governo tem recursos limitados. O custo do capital depende do nível de risco do negócio, e no Brasil esse índice é alto", avalia a economista Joísa Dutra, coordenadora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV.
O BNDES aumentou o volume de crédito, mas isso não tem resultado em investimentos. Um dos motivos é o sentimento de insegurança entre os investidores, que temem perder os recursos investidos devido, por exemplo, a questões burocráticas ou de logística.
"O setor privado não consegue realizar obras sozinho, porque a carga tributária é pesada e a legislação é vaga e interpretável de várias formas", diz o professor de ciência política Adriano Gianturco, do Ibmec-BH. "O governo, então, lançou algumas políticas, mas muitas vezes não teve nenhuma empresa concorrendo aos leilões, vista a insegurança jurídica, e visto que, nas PPPs, o governo quis fixar o lucro das empresas."
A concessão de obras e reformas inseridas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) por meio de Parcerias Público-Privadas (PPP) enfrenta uma série de obstáculos. Os leilões de ferrovias, por exemplo, ainda não saíram do papel.
Dilma deu início aos pacotes de concessões que previam a reforma e construção de rodovias federais e ferrovias, além da concessão de aeroportos, como os de Viracopos e Guarulhos (SP), Brasília (DF), Confins (MG) e Galeão (RJ). Para garantir o sucesso do programa de rodovias, o governo elevou a taxa de retorno de investimento de 5,5% para 7,2% e aumentou os prazos de concessão e financiamento.
O setor elétrico, por exemplo, acumula um passivo de 61 bilhões de reais e não consegue funcionar apenas com os recursos arrecadados junto aos consumidores. Dutra analisa que é preciso pensar em como incrementar essa arrecadação.
Para a área de saneamento, equacionar o problema de governança é o desafio, já que os municípios não têm condições de fazer os investimentos necessários, apesar da disponibilidade de recursos do PAC. "Os investimentos não se materializam. Não basta olhar volume de execução, mas sim o resultado. Quantos usuários foram de fato conectados à rede de saneamento?", argumenta a economista.