Clima de desconfiança mútua marca reta final dos preparativos para a Copa
5 de dezembro de 2013Parece ironia que justamente a luxuosa Costa do Sauípe – com seus caros resorts, a cerca de 80 quilômetros ao norte de Salvador – tenha sido escolhida para debater os contratempos e possíveis soluções para uma Copa do Mundo envolvida em acusações de gastos exorbitantes e desnecessários.
E mesmo com a pauta do encontro recheada de problemas, o discurso da Fifa – para o público externo – é um só: paz e amor. Mas, nos bastidores, a pressão da entidade máxima do futebol sobre o Brasil não combina em nada com o clima de tranquilidade, sol, mar e brisa fresca do local.
A cerca de sete meses do ponta-pé inicial do Mundial, a Fifa vê o Brasil entregar estádios com atraso cada vez maior e, como no caso do Itaquerão, em São Paulo, com acidentes com vítimas fatais.
Além disso, o Brasil continua retirando diversos projetos de mobilidade – que eram considerados legados para a população – de chamada matriz de responsabilidades da Copa, o que tornará a mobilidade de brasileiros e estrangeiros mais difícil durante o torneio.
"O clima está pesado nos bastidores porque a Fifa considera que o Brasil não está honrando o que assinou, por exemplo, no que tange à entrega dos estádios e até mesmo às telecomunicações do evento na Costa do Sauípe", afirma o jornalista esportivo Juca Kfouri, que está acompanhando os bastidores da reunião na Bahia, em entrevista à DW Brasil.
O governo não conseguiu honrar nem o compromisso de dar condições necessárias de telecomunicação para o evento na Bahia, e a Fifa teve que pagar pelos links de fibra ótica na última hora.
Para Kfouri, há um clima de desconfiança mútua entre o governo brasileiro e a Fifa, e um trabalho muito ruim de intermediação do Comitê Organizador Local (COL), que fica querendo agradar aos dois lados e não consegue.
Tudo isso resulta num arrependimento da entidade por ter escolhido o Brasil, como houve também após a escolha – e os sucessivos problemas – da África do Sul.
"Mas haverá [arrependimento] mesmo, dito pelo próprio Joseph Blatter [presidente da Fifa], caso aconteçam novas manifestações, como ocorreram na Copa das Confederações", diz Kfouri. "E eu arrisco dizer que haverá, e até maiores, e é bem possível que as autoridades brasileiras cancelem as fan fests para evitar mais aglomerações nas ruas e possíveis protestos."
Atrasos cada vez maiores nos estádios
Dos 12 estádios para o Mundial, somente seis estão prontos – Rio de Janeiro, Fortaleza, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Brasília. O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, anunciou nesta quarta-feira (04/12) que a outra metade – Curitiba (83% pronto), Cuiabá (87%), Manaus (89%), Porto Alegre (87%), Natal (91%) e São Paulo (94%) – não será entregue até 31 de dezembro, data estipulada pela Fifa para ter as 12 arenas prontas. Apesar disso, a Fifa reiterou que o estádio em São Paulo vai ser o palco da abertura da Copa.
A expectativa era que ao menos três arenas – Cuiabá, Natal e Manaus – ficassem prontas, mas o governo atrasou a entrega, de acordo com Rebelo, para que a presidente Dilma Rousseff pudesse participar das cerimônias de inauguração, já que, "depois do dia 20 de dezembro, teremos uma série de festejos natalinos e de fim de ano".
Os outros três estádios – São Paulo, Porto Alegre e Curitiba – serão entregues mais tarde, explicou Rebelo na Costa do Sauípe. Para isso, o ministro disse que haverá a "multiplicação" de funcionários e equipamentos, sem que isso coloque em risco a segurança dos operários, já que "as empresas têm várias maneiras de acelerar ou desacelerar obras sem problemas".
A declaração do ministro vem depois do acidente no estádio paulista, na semana passada, quando um guindaste caiu em cima de parte das arquibancadas e matou dois trabalhadores. O acidente no Itaquerão não foi o primeiro a deixar mortos nas obras para a Copa. Em Manaus, um operário morreu ao cair de uma altura de cinco metros, em março. Em junho de 2012, um trabalhador não resistiu à queda de 30 metros no estádio de Brasília.
Na Bahia, um temporal em maio derrubou parte do toldo que cobria as arquibancadas. A Arena do Pantanal, em Cuiabá, enfrentou um incêndio há menos de dois meses, quando placas de isopor armazenadas no subsolo se incendiaram. Todos os acidentes – com ou sem vítimas – criam dúvidas sobre a segurança das construções do Mundial, principalmente com a pressão de serem entregues no prazo estipulado.
"Não colocaria, num termo radical, que as obras não respeitam as condições de segurança do trabalho. Mas diria que há um certo grau de flexibilidade que não é recomendável na parte de engenharia de segurança do trabalho", afirma Agostinho Guerreiro, presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ). "E essa flexibilidade não é o recomendável. O recomendável é termos, em todas as obras, engenheiros de segurança do trabalho. Então há falhas, e muitas delas poderiam ser evitadas."
Valter Caldana, professor e diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, lembra que toda obra, como qualquer cirurgia médica, tem um grau de risco. Porém, quando realizadas no limite do cronograma e da tecnologia, o grau de risco aumenta de forma considerável.
"Esses dois fatores podem causar acidentes como este em São Paulo. O caso escancarou o fato de que as obras estão sendo feitas no limite do cronograma", diz Caldana. "Acredito que outros acidentes não vão acontecer, até porque, quando acontece um, redobra-se as condições de segurança de todas as outras obras. Esperamos que não aconteça nada de mais grave."
Obras de mobilidade são retiradas ou esquecidas
Quando o Brasil foi escolhido para sediar o Mundial, em 2007, esperava-se que o evento seria um catalisador de investimentos em infraestrutura nas 12 cidades-sedes, principalmente em relação a obras de mobilidade urbana. Em janeiro de 2010, quando foi anunciada a matriz de responsabilidades da Copa, os governos federal, estaduais e municipais pretendiam realizar 50 obras de mobilidade urbana orçadas em cerca de 11,5 bilhões de reais.
Entre elas estavam a construção de monotrilhos, metrôs de superfície e corredores exclusivos de ônibus nas cidades-sede – projetos ligando, por exemplo, os centros das cidades até os aeroportos. Mas, de pouco a pouco, as grandes obras, como reforma de aeroportos e a construção de corredores de ônibus – que tinham a pretensão de melhorar a vida dos cidadãos brasileiros e ser um dos legados da Copa – foram retiradas do documento e esquecidas pelo governo.
Segundo a última revisão do documento, ocorrida em novembro deste ano, algumas obras foram descartadas para a Copa e outra parte será concluída somente depois de julho de 2014. Cidades como São Paulo, Brasília e Manaus já informaram que não vão conseguir finalizar, até junho de 2014, as grandes obras de mobilidade previstas.
De acordo com o Ministério do Esporte, os investimentos feitos pelo governo para a Copa somam 25,5 bilhões de reais, 2,6 bilhões a menos do que a previsão divulgada em junho. Quando o governo lançou seu plano de investimentos para a Copa de 2014, havia a expectativa de que 33 bilhões de reais fossem aplicados para a realização do torneio, entre obras de mobilidade e investimento em estádios.