O clima em Bali
1 de dezembro de 2007A 13ª Conferência das Partes da Convenção do Clima começa nesta segunda-feira (03/12) em Bali, na Indonésia, cercada de expectativas: é lá que deverão ser traçados os planos e metas para tentar brecar as mudanças climáticas nos próximos anos.
A hora é de agir, cobra Yvo de Boer, secretário-executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC, na sigla em inglês). Em entrevista à Deutsche Welle, ele falou sobre o que precisa ser feito na Convenção em Bali, sobre suas expectativas em relação aos países em desenvolvimento e sobre o papel desempenhado pelo Brasil dentro da nova ordem climática mundial.
Deutsche Welle: O futuro das políticas climáticas internacionais está no centro das discussões planejadas para a Convenção do Clima em Bali. O que precisa acontecer no evento para que ele possa ser considerado um sucesso?
Yvo de Boer: Bali vem em um momento crucial. Acabamos de ter três relatórios muito importantes da comunidade científica representada pelo IPCC. Esses relatórios disseram que nós, seres humanos, somos responsáveis por estes problemas; disseram quais serão as consequências das mudanças climáticas se deixarmos de agir; e disseram que hoje temos muitas das tecnologias de que precisamos para chegar a uma solução nesta questão.
Então, a mensagem da comunidade científica está translúcida. A questão agora é a resposta política a ser dada. E Bali é o momento para esta resposta. Os cientistas estão nos dizendo que temos um período relativamente curto, de 10 a 15 anos, para conseguirmos fazer as emissões globais diminuirem em vez de crescerem.
Isso significa que Bali precisa lançar as negociações para uma política em mudanças climáticas de longo prazo. Precisa decidir qual é a agenda necessária para essas negociações e precisa estabelecer um prazo final para completar essas negociações.
Como os países em desenvolvimento se encaixam nestes planos?
Para poder fazer as políticas internacionais em mudanças climáticas avançarem, é crucial começarmos a pensar em como podemos envolver mais fortemente os grandes países em desenvolvimento. Sob o Protocolo de Kyoto, eles já têm a obrigação de limitar o crescimento de suas emissões, adotando políticas e projetos para atingir esta meta. Mas para fazerem isso, dependem de recursos internacionais.
Uma parte importante da discussão em Bali após a convenção é ver como podemos operacionalizar o que já foi definido sob o Protocolo de Kyoto. Em outras palavras, como podemos estabelecer uma cooperação internacional e incentivos que permitam que países em desenvolvimento limitem o aumento de suas emissões ao mesmo tempo em que crescem economicamente e avançam na erradicação da pobreza.
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo é um importante instrumento dentre esses incentivos? [CDM, na sigla em inglês, é o mecanismo através do qual países industrializados compram créditos de carbono de países em desenvolvimento, que assim recebem investimentos para projetos que reduzam as emissões do gás]
É um ponto de aprendizagem muito importante. Hoje, 840 projetos do CDM já estão em funcionamento, e cerca de 1800 estão a caminho de serem registrados. Ele está se provando um instrumento muito significativo para a cooperação internacional.
E é um ganha-ganha tanto para países em desenvolvimento quanto para os industrializados: os primeiros lucram na medida em que recebem investimentos para um futuro de energia mais limpa, os outros porque conseguem alcançar suas metas de redução de emissão a custos mais baixos do que em seu próprio território.
Mas temos que aprimorá-lo para o futuro. Sendo um mecanismo baseado no mercado – o mercado de carbono –, o CDM tende a buscar as opções de reduções mais baratas que estão por aí. Se você realmente quer que países em desenvolvimento mudem o rumo de suas políticas, então também vamos precisar de cooperação entre países no nível governamental, apoiando iniciativas de políticas para países em desenvolvimento.
Como o senhor avalia o engajamento brasileiro no Protocolo de Kyoto desde a sua criação, em 1997?
O Brasil tem sido um país muito ativo nas negociações internacionais sob o Protocolo de Kyoto. Tem sido um dos líderes no Grupo de 77 na China, que é o grande grupo de países em desenvolvimento que participa destas negociações. Nele, o Brasil teve um papel de liderança, e, de fato, trouxe para o centro das negociações muitas das idéias que são chave para a arquitetura do Protocolo de Kyoto .
O Brasil gosta de erguer a bandeira do etanol para afirmar que teve um papel pioneiro no desenvolvimento de biocombustíveis, embora o investimento em álcool não tenha sido originalmente motivado por preocupações ambientais. Como o senhor vê essa posição?
Não acho que haja nada de errado em lucrar com o fato de que se tomou uma decisão por motivos diferentes no passado. Você tem razão que o desenvolvimento do etanol no Brasil foi motivado por outras considerações. Mas, dito isto, o fato é que o Brasil tem hoje um combustível muito vantajoso sob o ponto de vista climático, e, neste contexto, um potencial produto de exportação muito importante.
O Brasil também foi líder em outras áreas, como por exemplo a da energia hidroelétrica. Há diversos setores em que o país está à frente na busca de soluções, mesmo que talvez não primeiramente motivado por soluções para as mudanças climáticas.
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Dentre os países em desenvolvimento, o Brasil exerce um papel de liderança importante? Consegue mobilizar outros países diante das mudanças climáticas?
Na verdade, o Brasil, talvez junto com a África do Sul, está na linha de frente dentre os países em desenvolvimento que estão pensando em como podemos avançar uma política de mudanças climáticas além de 2012. Por um lado, buscando meios adequados, procurando salvaguardar o crescimento econômico e erradicar a pobreza; por outro, tentando limitar a emissão do gases do efeito estufa. A participação do Brasil tem sido muito construtiva neste debate.
No que se refere aos biocombustíveis, até que ponto o Brasil consegue conciliar, de fato, o aumento da produção com questões ambientais e sociais, como desmatamento e exploração de mão-de-obra?
O debate em torno da produção de etanol e biocombustíveis está realmente inflamado no mundo todo. Talvez não tanto em relação à cana-de-açúcar, e sim em relação a áreas onde a Floresta Amazônica está sendo cortada para abrir terreno para produzir óleo de palma, soja ou outros grãos que podem ser usados na produção de biocombustíveis.
A pergunta aqui é: a produção de biocombustíveis está substituindo plantações para a produção de alimentos? Este é o debate importante no momento, e, neste contexto, acredito que será muito importante avançar para a segunda geração de biocombustíveis, onde se poderá usar restos vegetais em vez de depender de colheitas específicas para produzir biocombustíveis.
Biocombustíveis produzidos a partir de restos vegetais: quando o senhor imagina que isso possa se concretizar?
É bem provável que os preços do petróleo, altos como estão, contribuam para aproximar esta meta. Com o barril de petróleo hoje perto dos 100 dólares, muitas alternativas se tornam mais viáveis economicamente, e isso vai impulsionar mais pesquisas e desenvolvimento para chegar à segunda geração de biocombustíveis. Portanto, espero que esta solução, que de certa forma ainda está sendo esboçada, chegue com rapidez num futuro próximo.
Mas se os biocombustíveis poderão ter resíduos vegetais como matéria-prima no futuro próximo, o fato de o Brasil estar investindo tanto em etanol não pode ser um tiro no pé?
Em primeiro lugar, ainda vai levar tempo até que biocombustíveis produzidos a partir de resíduos se tornem economicamente viáveis. A produção de biocombustíveis usando cana-de-açúcar é uma prática bem estabelecida, e neste sentido o Brasil dispõe de uma importante vantagem no mercado internacional. Mas, claro, com o tempo temos que ver como a tecnologia vai evoluir, como os preços vão se desenvolver, e se a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar vai continuar sendo viável no futuro.
O último relatório divulgado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), na Espanha, não forneceu muitos detalhes dos efeitos das mudanças climáticas sobre a Amazônia. Como o senhor acha que a região pode ser afetada?
É verdade que mais trabalho precisa ser feito para entender como as mudanças climáticas afetarão florestas tropicais como a Amazônia. Mas já temos muitos dados sobre como os padrões de chuva vão mudar no futuro, já com evidência de que secas estão levando à crescente desertificação, talvez não no Brasil, mas em outras partes do mundo.
A biodiversidade está ameaçada pelas mudanças climáticas e a Amazônia é uma fonte muito importante de biodiversidade. Além disso, cidades brasileiras ao longo da costa estão potencialmente ameaçadas pelo aumento do nível do mar.
O que o senhor considera uma maior ameaça para a Amazônia: o aquecimento global ou as políticas públicas brasileiras?
Eu diria que nenhum dos dois. Acho que a maior ameaça para a Amazônia, na verdade, é o fato de que seu desmatamento ainda é economicamente atraente para as pessoas, por diversas razões. Se, através de um regime de mudanças climáticas, ou mesmo fora de um regime de mudanças climáticas, conseguirmos encontrar incentivos econômicos e alternativas que superem as práticas correntes, então estaremos no caminho de uma solução muito importante.