O poder vicia, muitos dizem. Poucos conseguem largá-lo, e até mesmo os grandes nomes muitas vezes perdem o momento certo de sair do palco.
Alguns ditados sábios podem ser encontrados também na cultura pop, como o de que "apenas os bons morrem cedo" – uma referência ao "Clube 27", das lendas da música que morreram aos 27 anos, como Jim Morrison, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Brian Jones, Kurt Cobain e Amy Winehouse. A morte no auge os poupou da decadência inevitável.
Luiz Inácio Lula da Silva encerrou em 2010 seus dois mandatos como presidente com mais de 80% de aprovação. A Constituição do Brasil não permite um terceiro mandato consecutivo. Assim, Lula nomeou como sua sucessora sua cria política Dilma Rousseff. Não há melhor maneira de deixar o palco político, não é mesmo?
Anos traumáticos
Segundo rumores da época, Lula bem que gostaria de ter concorrido novamente em 2014, mas Dilma insistiu em uma nova candidatura. Lula foi pego depois no turbilhão da Lava Jato e não concorreu nas eleições de 2018 por estar na prisão após ser condenado por corrupção. Fernando Haddad assumiu seu lugar na corrida pelo PT – e perdeu para Jair Messias Bolsonaro.
O fato de as conquistas de sua própria presidência terem sido colocadas em risco em meio à crise econômica do governo Dilma, antes de sua reputação ser finalmente destruída pela Lava Jato, deve ter sido traumático para Lula naqueles anos.
Portanto, concorrer novamente em 2022 foi provavelmente uma tentativa de fazer com que ele fosse absolvido pelo povo de todas as acusações com ajuda de uma vitória eleitoral, para que depois pudesse finalmente deixar o cargo de alma lavada.
Essa seria sua última eleição, disse Lula durante a campanha eleitoral de 2022, acrescentando que, se ganhasse, não pensava em concorrer novamente em 2026.
Mas recentemente as coisas parecem ter mudado. Lula afirmou que está preparado para concorrer novamente se necessário – isto é, se não houver outro nome capaz de salvar o Brasil da extrema direita. Mas a decisão sobre isso só seria tomada em 2026, disse. Como Lula sempre vê a si mesmo como o melhor candidato possível, é difícil acreditar que um nome mais adequado surgirá até 2026.
Os observadores acreditam que Lula ainda não anuncia sua candidatura para 2026 porque seus índices nas pesquisas não são bons o suficiente para garantir uma vitória. Pesquisas têm mostrado índices de aprovação de seu governo muito próximos dos níveis de reprovação. Recentemente, o Datafolha apontou 35% de aprovação, contra 34% de desaprovação.
Nesse contexto, parece estranha a declaração de Paulo Pimenta, ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, de que Lula definitivamente concorrerá em 2026. Isso pelo menos explicaria por que atualmente o governo vem gastando tanto dinheiro.
Risco de crise econômica
Especialistas já estão alertando sobre o aumento do déficit e da dívida estatal. Eles culpam os gastos excessivos de Lula pelo fato de o real estar se desvalorizando como quase nenhuma outra moeda. As metas fiscais do governo para os próximos anos estão ameaçadas.
Será que Lula está arriscando uma crise econômica para aumentar suas chances em 2026? Se der errado, Lula pode botar a perder tanto sua candidatura em 2026 quanto sua reputação de político responsável.
Enquanto a planejada isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil vem causando dor de cabeça aos especialistas, que duvidam de sua viabilidade financeira, Lula recebe 70% de aprovação para a proposta, de acordo com o Datafolha. Um imposto mais alto para os ricos, que fecharia a lacuna da receita tributária, é apoiado até mesmo por 77% dos entrevistados. Tudo isso cheira a uma campanha eleitoral antecipada.
De acordo com uma pesquisa Quaest de meados de dezembro, Lula venceria em 2026 contra todos os candidatos imagináveis da direita e da extrema direita: Jair Messias Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, Pablo Marçal ou Ronaldo Caiado. Além disso, o apoio a uma nova candidatura do presidente aumentou de 40% em outubro para 45%, de acordo com a pesquisa Quaest. Isso deve incentivá-lo a tentar novamente em 2026.
É desejável para Lula que ele ainda encontre o momento certo para deixar o grande palco.
--
Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente da DW.