Caminhar nu
27 de junho de 2010Para quem vive há muito tempo na Alemanha, ver corpos nus na sauna ou em determinadas áreas de praias e lagos não é novidade. Porém, tanto para nativos quanto para estrangeiros, cruzar com pessoas nuas em um parque é algo de se estranhar.
O nudismo ou naturismo são conhecidos há várias gerações na Alemanha pela sigla FKK, em referência ao termo Freikörperkultur, que significa "cultura do corpo livre". As novas vertentes dessa cultura são popularmente chamadas de Nacktivitäten (atividades nudistas) e praticadas sobretudo por naturistas que se unem em diferentes áreas do país para passear, andar de bicicleta, de canoa ou a cavalo, sempre nus.
O Nacktwandern.de (caminhar nu) é um dos principais representantes dessa novidade. No site, o grupo se descreve como "círculo de amizade em crescimento formado por pessoas interessadas na natureza que, há alguns anos, vêm se encontrando regularmente para fazer caminhadas nus". Os percursos têm geralmente entre 15 km e 20 km. A maioria dos adeptos têm entre 40 e 50 anos de idade.
Para o porta-voz do grupo, Horst Kehm, abdicar do uso de roupas proporciona aos caminhantes uma percepção muito mais intensa dos raios solares e do vento. Segundo Kehm, mesmo a uma temperatura de 15°C ainda é possível caminhar sem nada, além de tênis e uma mochila.
O naturista admite que, muitas vezes, o encontro com caminhantes vestidos lhes causa surpresa. "Mas as pessoas que encontramos são normalmente seres que apreciam a natureza e gostam de passear ao ar livre", conta. "Elas nos compreendem melhor", conclui. Entre abril e outubro de 2009, o grupo realizou 30 caminhadas em diversos parques e reservas naturais da Alemanha. Um deles foi o parque natural Rothaargebirge, no estado da Renânia do Norte-Westfália.
Em maio de 2010, foi inaugurada uma trilha para nudistas no estado de Saxônia Anhalt. O idealizador do percurso de 18 km é Heinz Ludwig, proprietário de um parque de campismo e de um restaurante no lugarejo de Dankerode. Apesar de ser frequentado também por pessoas vestidas, o caminho tem placas com o seguinte aviso: "Se não quiser ver alguém nu, não siga por este caminho".
Naturismo não é novidade
A cultura do corpo livre surgiu na Alemanha no final do século 19 como parte do Movimento de Reforma da Vida. É o que conta Michael Grisko no livro Cultura livre e ambiente: estudos sobre os antecedentes e o início da cultura do corpo livre na Alemanha.
O primeiro clube de FKK foi criado na cidade de Essen em 1898. No início do século 20, surgiram diversas publicações voltadas ao naturismo, como Deutsch Hellas, Kraft und Schönheit e Schönheit. Segundo Grisko, o rápido crescimento do naturismo foi barrado pelos nazistas em 1933 e ganhou vida novamente após a Segunda Guerra Mundial.
Enquanto banhar-se nu aos poucos foi se tornando comum em lagos e praias da República Democrática Alemã (RDA), o número de associações e áreas reservadas para adeptos da FKK voltou a crescer na República Federal da Alemanha (RFA). Nas décadas de 1950 e 1960, ressurgiram publicações voltadas essencialmente ao naturismo, como Die Woge, Unser Dasein, Sonnenfreunde, Der Naturist e Humana.
Milhões de alemães adeptos
De acordo com a Sociedade de Nudistas da Alemanha (DFK, do alemão), existem aproximadamente 250 mil naturistas organizados em todo o mundo. Desses, cerca de 190 mil são europeus e pouco menos de 50 mil são alemães. Para o presidente da sociedade, Kurt Fischer, o número de associados é uma parcela muito pequena em relação à quantidade de pessoas que, pelo menos esporadicamente, praticam o nudismo no país. "Atualmente, eles chegam a sete milhões de pessoas na Alemanha", estima Fischer.
O presidente da DFK, a qual é filiada à Federação Internacional de Naturismo (INF), conta que a entidade vem perdendo associados há alguns anos. Para ele, a justificativa é simples: "A população está decrescendo e as famílias estão ficando menores".
Além disso, Fischer acredita que os alemães mais jovens têm dado mais valor à moda, encarando-a como representação de status. "Isso vai contra nossa filosofia, segundo a qual somos todos iguais ao tirarmos a roupa", explica.
Nem o próprio Fischer sabe dizer quantas áreas destinadas aos adeptos da FKK existem no país, mas aponta o estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental como o mais atrativo para naturistas. No estado vizinho Schleswig-Holstein, a DFK possui um resort exclusivo para membros da entidade. Ele fica na praia de Rosenfelder, na cidade de Ostholstein. Ali, os turistas podem comer, dormir, praticar atividades esportivas e aproveitar o sol e o mar em 1,5 km da costa e sem usar roupas.
Não é apenas a Alemanha que oferece opções de hospedagem e lazer para naturistas. A agência de viagens Oböna Reisen, especializada em turismo de FKK, oferece pacotes de viagens para hotéis, resorts e cruzeiros da Europa ao Caribe. Segundo Isabell Ewald, que trabalha na agência, o destino preferido dos naturistas alemães é a Croácia, onde a tradição de banhar-se nu remonta ao tempo em que o território fazia parte da antiga Iugoslávia. "Lá, existem resorts enormes só para FKK e muitas áreas naturais pouco exploradas", conta Isabell.
Nus na cidade
Nem sempre é necessário sair do centro urbano para encontrar um cantinho onde se possa tomar sol ou se banhar sem roupas. Além das saunas, onde o nudismo geralmente é praxe, existem piscinas públicas que reservam horários para quem prefere mergulhar nu.
Graças à internet, nudistas e simpatizantes podem encontrar esses lugares sem muito esforço. No site NacktBaden.de, por exemplo, os internautas trocam dicas e oferecem listas de lugares frequentados por naturistas ou nudistas.
Alguns desses "pontos de nudismo" identificados por usuários do NacktBaden.de são parques como o Tiergarten e o Volkspark Friedrichshein, em Berlim. Além deles, parques de Munique, Hamburgo e Frankfurt também são mencionados.
Autor: Elton Hubner
Revisão: Roselaine Wandscheer