1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Com desemprego em alta, brasileiros começam a deixar Portugal

24 de janeiro de 2013

A crise financeira que assola o país europeu e a boa fase econômica do Brasil influenciam na hora de tomar a decisão. Só em 2011, total de brasileiros que deixou Portugal supera em quase 8 mil o número dos que chegaram.

https://p.dw.com/p/17Qxf
Foto: Getty Images

Os brasileiros são a maior comunidade estrangeira em Portugal. De acordo com dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteira (SEF), órgão português responsável pela política de imigração, são mais de 111 mil brasileiros legalizados, o que representa 25% da população imigrante.

No entanto, considerando apenas os números de 2011, o saldo entre os que chegaram ao país e os que saíram mostra uma clara tendência: o total de brasileiros em Portugal diminuiu em quase 8 mil.

Segundo relatório do SEF, o número geral de imigrantes residentes está em queda desde 2010 e isso "poderá configurar uma nova tendência", que pode ser explicada pela "alteração de processos migratórios e efeitos da atual crise econômica e financeira".

Para Carlos Vianna, presidente da Casa do Brasil de Lisboa, apesar de ainda não haver números oficiais sobre a imigração em 2012, essa tendência se confirma, considerando a experiência da associação no apoio aos imigrantes. "A população imigrante brasileira vai cair bem mais em 2012 e 2013. Não tenha dúvida disso", afirma.

Portugal tem a terceira maior taxa de desemprego da Europa, de 16,3% em novembro de 2012, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ficando atrás apenas da Espanha (26,6%) e da Grécia (26%).

"A crise econômica levou mais de 100 mil portugueses a saírem de Portugal. Se os portugueses jovens, com boa formação acadêmica, estão saindo aos magotes, que dirá os imigrantes. A economia brasileira está mais aquecida, há pleno emprego e, portanto, a situação está melhor hoje do que quando muitos deixaram o Brasil", diz Vianna.

Qualificação não é sinônimo de emprego

A publicitária brasileira Gabriela Nogueira migrou para Portugal em meados da década de 90. Nessa época, a economia do Brasil enfrentava a hiperinflação e mais uma mudança de moeda. "Eu achava que teria mais chances de um futuro certo morando fora do Brasil. Portugal começava a mostrar a influência da entrada no mercado europeu e podia-se ver o país crescer, evoluir e mudar", conta.

Gabriela Nogueira
Gabriela volta ao Brasil levando o marido espanhol juntoFoto: DW/A. Netto

Mas, no final de 2012, após 17 anos no exterior, a publicitária resolveu voltar para o Brasil. "Voltei para São Paulo. Aqui se trabalha muito, mas a oferta cultural é rica e hoje a cidade está como Lisboa quando eu cheguei. Em Portugal e em outros países europeus, o mercado de trabalho está tão fechado que qualificação não é sinônimo de um bom emprego", diz Gabriela, que levou para o Brasil o marido espanhol e a filha do casal.

"A decisão de voltar foi tomada há mais de um ano e não foi uma decisão só minha, mas minha e do meu marido. Por mais que eu adore a Europa, tenho 42 anos e uma família, marido e filha de 5 anos, o que faz com que a maneira de pensar seja conjunta", argumenta.

A tendência da redução de estrangeiros em Portugal representa uma forte mudança do fluxo migratório face às últimas décadas. No início dos anos 90, havia 107 mil estrangeiros legalizados no país. Passados 20 anos, esse número mais do que quadruplicou, chegando a 454 mil.

No entanto, do início de 2010 até o fim de 2011 (data do último relatório do SEF), esse crescimento exponencial foi quebrado e mais de 17 mil estrangeiros residentes abandonaram Portugal nesse período.

Medo da crise

Dona de uma estética no distrito de Lisboa, a brasileira Maritânia Nogueira está em Portugal há 13 anos. Ela afirma que, apesar da redução de 15% na clientela, ainda consegue manter uma boa qualidade de vida no país. Mesmo assim, a esteticista está disposta a voltar para o Brasil.

"Assusta muito. Meu medo é perder tudo o que juntei e investi e não ter mais condições de voltar de jeito nenhum. Eu posso perder isso em um ano, pelo jeito que está o país", declara Maritânia.

Retornar ao país de origem é um desejo cada vez mais comum em Portugal. A Organização Internacional para as Migrações (OIM), através do Programa de Retorno Voluntário, ajuda estrangeiros que pretendem retornar ao país de origem, mas não têm condições, fornecendo a passagem aérea e, em alguns casos, auxílio de reintegração.

Maritânia Nogueira
Maritânia está bem em Lisboa, mas ainda assim pensa em voltarFoto: DW/A. Netto

De acordo com Isabela Salim, assistente de projetos da OIM, o número de pedidos de apoio feitos por brasileiros ao regresso voluntário está em alta. Em 2010, foram 1.397. Em 2011 subiu para 1.839 e, em 2012, até setembro, foram mais 1.214 pedidos.

Com o crescente número de solicitações de ajuda, Isabela reforça que é muito importante o Brasil criar incentivos e apoios aos brasileiros que querem voltar.

"São pessoas que aprenderam muito como imigrantes, levam daqui know-how que pode beneficiar o crescimento brasileiro. Pessoas que trabalham nas áreas da construção civil e serviços, duas áreas de trabalho em declínio em Portugal e em expansão no Brasil", diz Isabela.

Fim de um sonho

Eliana Miranda será uma das beneficiadas do Programa de Retorno Voluntário. Faltando dois dias para voltar para Belo Horizonte, ela conta que migrou em 2005 e trabalhou em empresas de limpeza e como babá, mas que está há meses desempregada em Portugal.

"A gente vem com a intenção de conseguir comprar alguma coisa, melhorar a vida. Vem com a expectativa de comprar uma casa, montar um negócio. Mas, no decorrer da vida, percebe que isso não pode ser alcançado. Não é uma realidade. Agora é mais complicado ainda, porque nem mesmo para a sobrevivência diária está sendo possível", conta Eliana.

Apesar de falar com alguns amigos no Brasil e ter a consciência de que "as coisas estão bem difíceis e bem caras", Miranda avalia que, no Brasil, "pelo menos você tem expectativa de tentar, de lutar. Pelo menos tem uma chance. Aqui [em Portugal] já não dá mais nem para tentar".

Autor: Antônio Netto, de Lisboa
Revisão: Alexandre Schossler