Comissão para "proteger modo de vida europeu" é criticada
11 de setembro de 2019A proposta da presidente eleita da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, de criar uma pasta com o título "Protegendo nosso modo de vida europeu" foi alvo de críticas e indignação por parte de parlamentares europeus, que dizem que o termo remete à retórica da extrema direita.
A alemã apresentou na terça-feira (10/09) os nomes para compor sua futura equipe de 27 comissários – um para cada país-membro da União Europeia (UE), com exceção do Reino Unido –, que toma posse em 1º de novembro para um mandato de cinco anos. As indicações ainda precisam ser aprovadas pelo Parlamento Europeu.
A lista mistura figuras estreantes e veteranas na UE e, com 13 mulheres e 14 homens, representa o gabinete mais equilibrado em termos de gênero da história do bloco. A equipe trouxe algumas surpresas, como um indicado de 28 anos para assumir a pasta de Ambiente e Oceanos e um vice-presidente responsável por uma "Economia que trabalha para pessoas".
Mas as críticas se voltaram principalmente para uma pasta específica: a nova "Protegendo nosso modo de vida europeu" ficará responsável por trabalhar questões de migração, mas também temas como educação, segurança e emprego.
Von der Leyen sugeriu o grego Margaritis Schinas para o papel de comissário. Ex-deputado do Parlamento Europeu e funcionário de longa data da Comissão Europeia, o político de 57 anos foi indicado ainda para ser um dos oito vice-presidentes do futuro gabinete da alemã.
Alguns críticos questionam o fato de a pasta cuidar simultaneamente de questões de segurança e migração. Para eles, a ligação direta de ambos os tópicos poderia sugerir que os migrantes são, por padrão, vistos como riscos à segurança do bloco.
"A implicação de que os europeus precisam ser protegidos de culturas externas é grotesca, e essa narrativa deve ser rejeitada", afirmou a eurodeputada holandesa Sophie in 't Veld, do partido social-liberal Democratas 66, em um comunicado. Para ela, a criação da pasta foi "totalmente equivocada e repreensível".
A eurodeputada alemã Ska Keller, co-presidente do grupo dos Verdes no Parlamento Europeu, disse ser "assustador ver a proposta de uma pasta sobre 'proteger o modo de vida europeu' que inclua tanto a migração como a proteção de fronteiras". "Esperamos que a presidente Von der Leyen não veja uma contradição entre apoiar os refugiados e os valores europeus", completou.
O eurodeputado britânico Claude Moraes, do Partido Trabalhista, de centro-esquerda, também criticou a proposta, chamando-a de "um problema real" que poderia ameaçar a ratificação do novo gabinete da Comissão Europeia pelo Parlamento.
"Vou abordar essa questão no meu grupo [parlamentar] hoje à noite e lembrar que o Parlamento Europeu precisa aprovar tudo isso. Uma pasta com um título como esse simplesmente não pode acontecer, na minha opinião", escreveu ele no Twitter.
Organizações sindicais e de direitos humanos também concordaram que o nome da pasta passa uma mensagem anti-imigração de forma implícita.
"É um slogan da extrema direita! Por que a migração está nessa pasta? Precisamos de proteção para a nossa democracia, contra as mudanças climáticas etc. – não contra migrantes", declarou a Confederação Europeia dos Sindicatos (ETUC, na sigla em inglês) no Twitter.
A Anistia Internacional também rechaçou o título, acusando Bruxelas de "usar a estrutura da extrema direita ao relacionar migração com segurança". "Isso envia uma mensagem preocupante", afirmou Stefan Simanowitz, da ONG de direitos humanos.
A Comissão Europeia, por sua vez, rejeitou as críticas de que o nome da pasta poderia sugerir que a migração é uma ameaça ao modo de vida europeu.
Na carta de indicação de Margaritis Schinas para o cargo de chefe dessa comissão, Von der Leyen destacou que, na verdade, "o modo de vida europeu é construído em torno da solidariedade, paz de espírito e segurança", assim como sob "o princípio de dignidade e igualdade para todos".
Um porta-voz de Von der Leyen acrescentou: "Seria útil se as pessoas também estivessem interessadas no que está incluído em cada pasta e quais projetos estão vinculados a cada título."
A questão migratória promete ser um tópico explosivo para a próxima gestão da Comissão Europeia, num momento em que partidos populistas de direita obtêm ganhos eleitorais em toda a Europa ao alimentar o medo de uma "invasão migratória" a partir da África e do Oriente Médio.
Esses partidos acusam a Comissão Europeia, braço executivo da UE, de fazer muito pouco para impedir que migrantes entrem na Europa. O tema deu início à uma crise em 2015, quando mais de um milhão de refugiados, a maioria sírios, chegaram ao continente.
Von der Leyen faz parte do Partido Popular Europeu (PPE), o maior grupo do Parlamento da UE, do qual a legenda anti-imigração húngara Fidesz, do primeiro-ministro Viktor Orbán, é um poderoso membro.
O PPE também está sob pressão em muitos países europeus, enquanto perde terreno eleitoral para partidos mais ligados à extrema direita como a Alternativa para a Alemanha (AfD) e a francesa Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen.
Von der Leyen, contudo, não tem o histórico de ser uma voz anti-imigração. Na verdade, alguns a considerariam o contrário. Antes de ser eleita presidente da Comissão Europeia, ela foi um membro importante do gabinete da chanceler federal alemã, Angela Merkel.
Em vários cargos no governo alemão – sendo o mais recente o de ministra da Defesa –, Von der Leyen foi considerada uma aliada leal da conservadora Merkel, mesmo quando membros mais à direita do partido governista, a União Democrata Cristã (CDU), a desafiaram. Quando a chefe de governo alemã adotou uma postura pró-refugiados em meio ao fluxo migratório em 2015, Von der Leyen a defendeu.
A Comissão Europeia é o braço executivo da UE e tem cerca de 32 mil funcionários. O órgão é responsável por propor novas legislações europeias, que são colocadas em prática em todo o bloco se aprovadas pelos Estados-membros e pelo Parlamento Europeu.
EK/afp/rtr/ots
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