Comissões da Verdade divergem sobre morte de Juscelino Kubitschek
23 de abril de 2014A Comissão Nacional da Verdade (CNV) descarta a possibilidade de assassinato na morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek, em 22 de agosto de 1976, enquanto trafegava de carro pela Via Dutra, em Resende (RJ).
Segundo laudo pericial apresentado nesta terça-feira (22/04), em Brasília, o ex-presidente e o seu motorista, Geraldo Ribeiro, "morreram em decorrência de lesões contundentes sofridas quando da colisão frontal" entre o veículo em que estavam e um caminhão que vinha na direção contrária.
Segundo as investigações da CNV, o Chevrolet Opala que levava o ex-presidente bateu primeiro na lateral de um ônibus, o que mudou a trajetória do veículo e o fez colidir de frente com um caminhão, que vinha no sentido oposto, causando a morte dos dois.
A versão contradiz, entretanto, posição defendida pela Comissão Municipal da Verdade de São Paulo que, no fim do ano passado, divulgou relatório apontando a existência de uma conspiração e afirmando que o presidente fora assassinado. Na época, a comissão municipal levou em consideração a conjuntura política na época da morte do ex-presidente e depoimentos de testemunhas e pessoas envolvidas no caso para chegar à conclusão de crime.
Em resposta à divergência, o coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, garantiu que a CNV está segura da posição. "Levamos em conta exclusivamente fatos, documentos, informações objetivas para produzir um quadro que reflita a realidade dos acontecimentos", enfatizou Dallari, ao minimizar os atritos com a comissão municipal. "A menos que surja um fato novo, para nós este é um caso encerrado."
Para o presidente da Comissão de São Paulo, vereador Gilberto Natalini, entretanto, deve haver novas reuniões para troca de informações. "Fomos tomados de surpresa porque mandamos um relatório para eles em dezembro. Nenhum contato foi feito, nenhum esclarecimento foi solicitado", reclamou.
"Vamos solicitar oficialmente à CNV para que se reúna conosco, os técnicos deles e nossos técnicos, queremos fazer uma confrontação para ver como chegaram àquela conclusão apesar de não nos ter consultado."
Fragmento metálico
O ponto central da discordância é um material metálico encontrado no crânio do motorista de Kubitschek, durante uma exumação, feita em 1996. Ao longo de anos, algumas pessoas – incluindo algumas ouvidas pela Comissão da Verdade de São Paulo – levantaram a hipótese de que o fragmento seria um vestígio de bala.
Depoimentos de peritos e testemunhas colhidos pela Comissão da Verdade de São Paulo apontavam para um ferimento que seria de uma bala no crânio do motorista, além de um suposto oferecimento de dinheiro em troca de uma declaração de culpa por parte do motorista do ônibus que se chocou primeiro contra o carro do presidente.
Essa possibilidade, entretanto, foi descartada pela CNV. "Um conjunto de evidências se encaixam e determinam que não houve disparo de arma de fogo", assegura o perito criminal Pedro Cunha, da Comissão Nacional da Verdade.
A partir de uma extensa lista de documentos e fotos, o laudo da CNV afirma que "o fragmento metálico que se encontrava no crânio de Geraldo Ribeiro era um cravo metálico utilizado para fixar revestimentos de caixões", contestando a versão anterior. "Não há nos documentos, laudos e fotografias trazidos para a presente análise qualquer elemento material que, sequer, sugira que o ex-presidente Juscelino Kubitschek e Geraldo Ribeiro tenham sido assassinados", conclui o relatório.
Cunha ressaltou que "não havia lesão no crânio no momento do acidente". Segundo ele, a fratura deve ter ocorrido durante o transporte entre o cemitério e o Instituto Médico Legal, após a exumação em 1996. Os peritos também descartaram a possibilidade de problemas mecânicos ou sabotagem que tivesse como objetivo a mudança no curso da direção do veículo onde estava Kubitschek.
Investigação da CNV
A morte de Kubitschek é analisada pela CNV desde setembro de 2012, após uma representação feita pela seção da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais.
Entre os entrevistados no processo de investigação estão o perito criminal Sérgio Leite, responsável pelo laudo do local do acidente; o médico legista Márcio Cardoso, que fez o exame da ossada de Geraldo Ribeiro, motorista do ex-presidente; e Roberto de Freitas Villarinho, diretor do Instituto de Criminalística do Rio de Janeiro na época do acidente.
A equipe de peritos reavaliou todos os laudos preparados sobre o local do acidente, centenas de negativos de fotografias tiradas no local, laudo da exumação do corpo do motorista, pareceres de comissão externa da Câmara dos Deputados do Rio de Janeiro, além dos inquéritos das forças policiais. Muitos desses materiais, segundo os peritos, eram tidos como desaparecidos, mas foram recuperados pela Comissão. "A única coisa que não conseguimos encontrar foi o automóvel", disse o perito Mauro Yared.