Até uns meses atrás, o presidente Jair Bolsonaro era contra qualquer tipo de vacinação contra o coronavírus. Especialmente se a vacina fosse da China. Seu governo, disse ele categoricamente em outubro, não compraria a Coronavac. Bolsonaro chegou a suspender temporariamente o processo de registro do imunizante junto à Anvisa. Repetidamente, seu filho Eduardo e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, se revezaram para atacar a China como o culpado por trás da pandemia.
Mas agora está tudo calmo. Bolsonaro e sua claque interromperam suas investidas contra Pequim e a vacina chinesa. A razão: as entregas de insumos por parte da China para a produção da vacina no Instituto Butantan, em São Paulo, não se materializaram. A produção, que havia acabado de começar, corria o risco de parar. E isso se tornou um problema existencial para o presidente populista de direita.
Porque, por um lado, seus índices de aprovação caíram abruptamente com o fim do auxílio emergencial. Por outro, cada vez mais brasileiros querem ser vacinados. As condições catastróficas em Manaus e a fraca gestão da crise por parte do ministro da Saúde podem ter contribuído para isso. O Brasil é hoje um dos países com o menor número de pessoas que se declaram antivacina do mundo.
Tudo isso parece ter causado uma mudança de sentido em Bolsonaro. Agora o governo está se esforçando para obter vacinas. Mas isso é complicado quando você já destruiu pontes, como com a China. Oficialmente, o presidente recorreu ao governo em Pequim para obter novos ingredientes de vacinas. Quando as autoridades chinesas anunciaram novos suprimentos, Bolsonaro lhes agradeceu gentilmente pela boa cooperação.
Mas tudo isso não saiu de graça. Nos bastidores, o ministro das Comunicações, Fabio Faria, teve que mexer os pauzinhos. Pois não há dúvidas sobre o que a China espera em troca de entregas rápidas de vacinas: o acesso irrestrito da Huawei na licitação da rede G5. O governo brasileiro tem até agora se recusado a admitir a empresa chinesa, assim como muitos outros países ocidentais, especialmente os Estados Unidos. A acusação é de que que a China usaria a tecnologia para fins de espionagem.
Mas, desde o final da semana passada, isso parece não ser mais um problema. A Anatel, órgão regulador das telecomunicações, declarou, de repente, unanimemente que não havia objeções ao envolvimento da Huawei. E no caso de o governo Bolsonaro mudar sua política em relação à Huawei, como já fez algumas vezes, foram tomadas providências: os suprimentos semanais da China para a produção da vacina provavelmente ainda serão existencialmente importantes até o fim do ano, para que a campanha de vacinação não pare. Os leilões para a rede móvel devem ser realizados em paralelo, o mais tardar na metade do ano. É difícil pensar em uma moeda de troca diplomática melhor para fazer com que outro governo cumpra sua parte.
No futuro, é provável que as escolas diplomáticas em todo o mundo analisem em detalhes a estratégia da China em relação ao Brasil nos últimos meses. É uma jogada de mestre como Pequim, a partir de uma posição de fraqueza, domina agora as relações com o Brasil. Afinal, a pandemia começou sua propagação global na China. E a China é dependente das commodities agrícolas do Brasil.
Mas agora a influência política chinesa no Brasil é maior do que nunca. Bolsonaro caiu na armadilha. Pequim agora também decide sobre sua sobrevivência política.
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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Clique aqui para ler suas colunas.