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ConflitosCoreia do Norte

Como as Coreias celebram os 70 anos de armistício

Julian Ryall
26 de julho de 2023

Trégua declarada em 1953 pôs fim ao derramamento de sangue na península coreana. Contudo, uma reconciliação permanente permanece distante.

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Bandeira norte-coreana tremula ao vento em um posto de guarda militar.
Pyongyang vê o armistício de 1953 como uma derrota para os EUAFoto: Lee Jin-man/AP/AP/dpa/picture alliance

As duas Coreias comemoram na quinta-feira (27/07) o 70º aniversário da assinatura do armistício que colocou fim a três anos de guerra.

De 1950 a 1953, os combates ceifaram 3 milhões de vidas, com tropas americanas e chinesas se enfrentando para apoiar seus respectivos aliados na península coreana. Mesmo sete décadas depois, há poucas chances de as duas Coreias deixarem o conflito para trás.

Na cidade sul-coreana de Busan, delegações dos EUA e de mais de 20 outros países que apoiaram a Coreia do Sul no âmbito da ONU participarão de uma cerimônia para comemorar o aniversário já nesta quarta-feira. As delegações também incluirão veteranos do conflito.

A Coreia do Norte, por sua vez, convidou altos membros dos governos chinês e russo para um desfile de tropas e equipamentos militares pelo centro de Pyongyang a fim de comemorar o que o regime insiste ser uma vitória.

O país vem intensificando sua retórica e demonstrações de seu poderio militar, mais recentemente lançando dois mísseis de alcance intermediário em sua costa leste na terça-feira.

Também nesta semana, o jornal norte-coreano Rodong Sinmun indicou que Pyongyang continuará desenvolvendo seu arsenal nuclear e mísseis balísticos. Um editorial publicado pelo jornal oficial do Partido Comunista disse que "não pode haver limite no fortalecimento do poder militar [da Coreia do Norte]".

"A paz eterna está no topo da autodefesa que pode prevalecer de forma esmagadora contra um inimigo", disse o artigo.

Trégua mantida por 70 anos

"O principal significado do 70º aniversário é que não houve nenhum grande conflito armado neste tempo", disse Rah Jong-yil, ex-diplomata e oficial sênior da inteligência sul-coreana. "Isso significa que o armistício foi bem-sucedido em manter a estabilidade, o que, por sua vez, permitiu à Coreia do Sul alcançar a democracia e um desenvolvimento econômico considerável", disse ele à DW.

"A Coreia do Norte, por outro lado, experimentou reveses econômicos significativos, mas, ainda assim, emergiu como uma potência militar", acrescentou.

No entanto, os dois lados permanecem entrincheirados em suas respectivas ideologias e não mostram sinais de cooperação ou mesmo comunicação, aponta Rah. O sul-coreano tinha 10 anos quando as tropas norte-coreanas invadiram sua terra natal em 1950, sendo forçado a fugir de Seul com sua família. Ele conta que eles "sobreviveram" em uma área ocupada por norte-coreanos até que as tropas da ONU forçaram os invasores a recuar.

"O Norte vai comemorar o que eles chamam de 'Dia da Vitória', mas isso é bem diferente da realidade", afirma. "Eles não venceram e os planos deles para uma Coreia unificada sob sua versão particular de socialismo falharam."

Como a Coreia do Norte enxerga o armistício

Fontes ocidentais avaliam que a Guerra da Coreia terminou sem um vencedor claro. Sob esta visão, o Norte comunista teria falhado em colocar o Sul capitalista sob seu controle, mas também os EUA e seus aliados falharam em derrubar o regime de Kim Il Sung, apoiado pela China e pela União Soviética.

Kim Myong Chol, diretor executivo do Centro para a Paz Coreano-Americana, com sede no Japão, uma organização que atua como porta-voz dos interesses de Pyongyang, compartilhou a perspectiva norte-coreana sobre a guerra e as relações com Seul sete décadas após o armistício.

Kim continua sendo uma figura controversa, geralmente atuando como porta-voz não oficial do regime norte-coreano. Ele também foi um confidente próximo de Kim Jong Il, pai e antecessor de Kim Jong-un.

"Claro que o aniversário é significativo, pois marca 70 anos desde a derrota americana", disse ele. "Antes da Guerra da Coreia, os Estados Unidos nunca haviam perdido uma guerra, mas depois que os derrotamos, eles perderam, como no Vietnã e no Afeganistão. Mostramos a outros países que os EUA podem ser derrotados."

"E agora temos ICBMs (mísseis balísticos intercontinentais) e armas nucleares, então somos fortes e os EUA sabem que não podem nos vencer."

Ele disse ainda que a Coreia do Norte "não tem relações com a Coreia do Sul e não precisamos dela".

"Não temos comunicações diplomáticas e só precisamos lidar com os EUA. E a única maneira de lidar com os EUA é pela força", afirmou.

Seul se afasta da 'Política do Sol'

Hyobin Lee, professora adjunta de política e ética na Universidade Nacional Chungnam, disse que nas décadas que se seguiram desde o armistício, houve anos em que os laços entre o Norte e o Sul pareciam estar melhorando. Mas este não é o caso atualmente, avalia.

"Melhorar as relações com a Coreia do Norte é, sem dúvida, uma questão complexa", disse ela. "Pelo fato de Coreia do Sul, EUA, China, Rússia e Japão abordarem o problema norte-coreano a partir de seus próprios interesses, as opções disponíveis para a Coreia do Sul decidir unilateralmente são limitadas."

"No entanto, a política mais eficaz até agora tem sido a 'Política do Sol' perseguida pelo presidente Kim Dae-Jung desde o final dos anos 1990, aponta.

A política se baseava em não tolerar provocações armadas do Norte, mas também na promessa de Seul de que não tentaria absorver o Norte e que, em vez disso, buscaria a cooperação.

"Alguns conservadores podem criticá-la como uma diplomacia de 'esmolas', mas acredito que é a única política capaz de sustentar o diálogo e ajudar a Coreia do Norte a abrir suas portas e incorporá-la à comunidade internacional", disse a professora.

Uma perspectiva "nada boa"

Kim Dae-Jung deixou o cargo em 2003 e os laços entre as duas Coreias continuaram instáveis. Sob Moon Jae-in, presidente entre 2017 e 2022, houve até uma impressão de melhora, mas isso se reverteu novamente quando Yoon Suk-yeol foi eleito no ano passado.

"Enquanto o governo Moon manteve uma diplomacia neutra entre as duas superpotências — os Estados Unidos e a China —, ao chegar ao poder, o governo Yoon optou por uma postura pró-EUA e anti-China", disse Lee.

A deterioração pode ser vista como resultado de mudanças na política externa da Coreia do Sul, acrescentou a pesquisadora, alertando que as chances de progresso no futuro próximo são pequenas.

O ex-oficial de inteligência Rah Jong-yil também manifesta pessimismo em relação a uma eventual redução das tensões:

"A política sul-coreana não é estável e o Norte desenvolveu uma capacidade militar considerável que inclui armas nucleares", disse ele. "Não parece nada bom."