Como Brexit mudaria relação entre Londres e UE
16 de junho de 2016Não faltam pesquisas sobre as repercussões para a economia se o Reino Unido sair da União Europeia. Apoiadores e opositores do assim chamado "Brexit" já produziram toneladas de artigos e relatórios fundamentando suas respectivas posições.
A maioria dos estudos conclui que a saída da UE traria custos substanciais, principalmente para o Reino Unido. Quase a metade das exportações do país é direcionada aos Estados-membros do bloco, enquanto mais da metade das importações britânicas vem dos europeus.
Segundo um estudo publicado pela Fundação Bertelsmann, um think tank alemão próximo aos setores econômico e empresarial, se o país se decidir pela saída, sua economia poderá encolher até 14%, o equivalente a 300 bilhões de euros. "Um Brexit deveria ser evitado", concluem os autores.
Muitas pontas soltas
Por mais que se esforcem, porém, os economistas dão tiros no escuro ao tentar apresentar dados confiáveis. Não há dúvida que a saída do Reino Unido da UE mudaria a relação britânica com os países da UE, mas ainda não está claro como. Certo é que resultará em custos e incerteza.
"É por isso que se fez uma certa pressão sobre os britânicos para não votarem pela saída nestes tempos difíceis ", explica Rolf Weder, professor de economia e integração europeia na Universidade de Basel, na Suíça. "Se você focar no curto prazo, é óbvio: nunca se deve colocar em questão relações estabelecidas, pois isso sempre acarreta custos."
Uma ideia clara de como as relações comerciais entre o Reino Unido e a UE se alterariam só emergirá após o eventual Brexit, e de forma muito lenta. O Artigo 50 do Tratado da UE estipula prevê dois anos para ambos os lados negociarem os detalhes, prazo que poderiam ser prorrogado pelo Conselho Europeu. No entanto a empresa britânica de consultoria Global Counsel estima um período de incerteza de "dez anos ou mais".
Uma vez que tudo depende do resultado dessas negociações, não há limites para a imaginação. No pior dos cenários, pesquisadores da Fundação Bertelsmann preveem que o Reino Unido ficaria totalmente "isolado", privado de todos os seus privilégios comerciais com os países da UE e com os terceiros que têm acordos com o bloco. Hipóteses menos hostis cortam consideravelmente os custos do Brexit, de acordo com o estudo: apenas 14 bilhões de euros em vez de 300 bilhões de euros.
"O Reino Unido, claro, vai negociar com o objetivo de não perder completamente o acesso ao mercado comum europeu. Ao mesmo tempo, a UE vai querer garantir o acesso ininterrupto ao mercado britânico para as empresas europeias", estima Rolf Weder, acrescentando: "Espero que ambos os lados busquem algum tipo de acordo de livre-comércio."
O exemplo suíço
No comércio de mercadorias, há décadas o Reino Unido tem registrado um grande déficit, importando mais do que exporta, apesar de Londres ser um dos principais centros financeiros do mundo. Entretanto o superávit em serviços não basta para compensar a fraqueza em termos de mercadorias, tendo deixado o Reino Unido com um saldo negativo total de mais de 77 bilhões de euros no comércio com a União Europeia, em 2014.
Graças à adesão do país à UE, bancos, companhias de seguros e escritórios de advocacia britânicos podem oferecer seus serviços em qualquer parte do mercado único. Caso saia, será crucial negociar condições favoráveis para o setor financeiro do país.
"A UE estará determinada a não tratar o Reino Unido bem demais", prevê o professor Weder. Afinal de contas, ela perde um contribuinte para seu orçamento, sendo improvável que vá recompensá-lo com concessões generosas.
A Suíça é frequentemente citada como modelo potencial para as futuras relações entre o Reino Unido e o bloco. Acordos comerciais permitem que o país alpino, que não é membro da UE, troque mercadorias livremente.
Mas mesmo os suíços não conseguiram alcançar um acordo semelhante para sua enorme indústria de serviços financeiros. Se o Reino Unido também fracassar, seu setor financeiro "enfrentaria os mesmos custos com que as companhias suíças têm que arcar atualmente, já que a Suíça não é tão bem integrada assim", aponta Weder.
No entanto, "há poucas perspectivas de que Londres deixe de ser o principal centro financeiro internacional", conclui a consultoria Global Counsel. As regulamentações da UE poderão tornar mais difícil as transações no mercado europeu, mas "é difícil imitar as vantagens que Londres oferece e sua ampla rede de serviços financeiros e profissionais".
Mais alternativas
Depois de um Brexit, o Reino Unido não só teria que negociar com a UE: seria também necessário substituir os acordos comerciais existentes entre o bloco e terceiros – para enorme alegria das firmas de advocacia. Batalhando sozinho e não sendo mais parte da UE, a posição do país nas negociações seria consideravelmente fraca.
Então por que todo esse trabalho, por que correr o risco de custos elevados e anos de incerteza? Na essência, o referendo britânico não é sobre economia, mas sobre a ideia de uma Europa diferente. "Eu acredito que menos Europa poderia, no fim das contas, resultar em mais Europa", especula Weder. "Se houver menos harmonização e menos integração, a diversidade na Europa lucrará."
Durante as crises financeiras recentes – do setor bancário, da dívida soberana e da Grécia –, os cidadãos europeus repetiram muitas vezes não havia alternativa às injeções de capital, pacotes de resgate e austeridade fiscal. Weder acredita que poderão surgir novas alternativas, caso os britânicos saiam da UE.
Por exemplo, o Reino Unido poderia se juntar com a Suíça e outros países na Associação Europeia de Livre-Comércio (AELC), e tentar um modelo diferente de Europa: livre-comércio sim, mas com soberania nacional quanto à imigração, mercado de trabalho e outras questões.
Até os defensores de uma maior integração na Europa ficariam em melhor situação. "Se o Reino Unido sair, e talvez outros dois ou três países também, a União Europeia se tornaria mais homogênea. Assim, os membros remanescentes poderiam ir em frente e criar um Estado federal europeu", propõe Rolf Weder. "Mas aí essa não seria a única opção na Europa, e as pessoas poderiam escolher entre essas alternativas."